“A fotografia tem a vantagem de permitir uma leitura muito rápida e muitas vezes inquestionável do que aconteceu”

Após o seu workshop em fotojornalismo, o repórter fotográfico Vítor Mota concedeu-nos uma entrevista onde aborda a sua formação como jornalista e de onde surgiu este interesse pelas máquinas de captação de imagem. Entre os tópicos, falámos da sua profissão, desde as suas condicionantes até aos conselhos para quem quiser seguir uma carreira nesta área.

 

Como é que a fotografia chegou à sua vida?

Comecei muito novo, como uma daquelas máquinas de plástico, devia ter 10 anos, uma máquina que apareceu lá em casa, meti-lhe um rolo e comecei a fazer fotografias de desportos motorizados aqui pela Baja. Depois mantive sempre o interesse até que houve uma altura em que adquiri uma máquina, comecei a fotografar em todas as oportunidades, tudo o que via fotografava. Assim, fui ganhando experiência até que vim fazer o curso aqui, numa perspetiva que tinha, de que para ser fotojornalista tinha de ser bom jornalista, tinha de ter conhecimentos teóricos de jornalismo, de fotografia já tinha alguma prática. O curso de fotojornalismo não havia em lado nenhum do país, dedicado exclusivamente à profissão, tinha de fotografia, mas de fotojornalismo não. Fui fazer o estágio curricular de jornalismo e fiquei.

 

Como foi a sua passagem pela ESECS?

Foram anos muito agradáveis, acima de tudo foi a possibilidade de aprender sobre jornalismo, de uma coisa que tinha, e todos nós temos, ideias, vindas de um lado romântico que nos é trazido pela televisão, pelas séries, pelo cinema, mas depois estudar a forma de como tudo acontece, a forma de como se constrói, como se passa do acontecimento do papel, do texto da imagem. Foi aqui que tanto da parte da ética e da deontologia o que me marcou mais.

 

No cinema, vemos muito retratado o fotojornalista herói, ou seja, fotojornalistas e jornalistas que são de facto super-heróis, mas sabemos que na realidade não é assim, certo?

Vemos muito no cinema, por exemplo, o herói que está sempre lá, o tal lado romântico, alguém que defende os fracos dos poderosos, alguém que dá voz a quem não tem voz, é um bocadinho a missão dos jornalistas. Atualmente, não acredito que nos vejam como heróis, há um certo perder de referências dos jornalistas como elemento de anti poder, de defensor de valores dos oprimidos, talvez este surgimento nas redes sociais, de estarmos sobre constante escrutínio, qualquer erro é amplificado e transformado num processo de intenções. Um erro que acontece, numa profissão que trabalha na base do improviso, estamos mais sujeitos ao erro, e esse erro é confundido com intenção de errar para atingir objetivos obscuros, o que é fácil de catalogar como jornalixo. O que leva a uma descredibilização da profissão.

 

Como chegou à Cofina?

No estágio curricular, saí aqui da escola para estagiar e acabei por ficar, trabalhei seis anos como colaborador, depois desses anos passei a integrar os quadros da empresa, já lá estou há 19 anos.

 

E tem horários fixos?

Nós temos o horário que são nos dados por agenda, ou seja, não é um horário fixo, não tenho hora de entrada nem de saída. Apesar disso, tenho a minha hora do primeiro serviço, por exemplo, tenho um debate parlamentar às 10h, se não tiver nada antes é essa a hora de entrada, se for às 16h é a essa hora. Na lógica que cumprir um horário virtual das 19h.

 

No seu workshop falou várias vezes em preparação, de como o estar preparado é importante, no caso em que falou tinha gente à frente, mas de repente abriu-se uma janela de oportunidade e conseguiu tirar a foto, sente que às vezes não podemos estar preparados para tudo, seja de acontecimentos ou até de ver algo mais violento?

Acho que isso se ganha com o tempo, com a “tarimba”, a experiência, que nos ajuda a lidar com isso, no meu caso, sinto que acima de tudo vivemos isso mais tarde. No momento, nosso foco e o fotografar e o trazer a imagem que muitas vezes não existe essa perceção de ser demasiado forte, a não ser que sejam demasiado fortes, como bombas a rebentar, trememos um bocadinho. Em outros casos só na edição é que sentimos o peso das mesmas.

 

Algum conselho para quem quer ser jornalista e consequentemente fotojornalista?

Proatividade, não se acomodar, repara, se te disserem que não podes ir para um lado tu tentas ir para o outro, tem que haver uma solução. Dizem-te que não, e tu ficas sentado à espera, isso não pode acontecer. Tem que haver outra, tens que dar a volta, contornar e tentar perceber se aquele não é um não definitivo ou se é um não que pode ser um talvez, e de seguida transformar um talvez em mais qualquer coisa, para trazermos o trabalho. Mas acima de tudo, novamente, proatividade. De resto, curiosidade, ver notícias, é muito mau ver malta que acaba os cursos e não lê jornais que não sabem a manchete do jornal do dia. Ter vontade de querer saber, de conhecer o mundo, querer fazer parte da história, porque há uma coisa que nos define, alguém dizia “o jornalismo é o primeiro rascunho da história”. Mais nenhuma profissão te dá isto, com todo os problemas pessoais e familiares que isto traz, que exige uma presença e uma disponibilidade que poucas profissões exigem, dando tão pouco porque isso dá muito pouco, não há jornalistas ricos, há gestores de jornalistas ricos, mas jornalistas, não há ricos. Apesar disso, nenhuma te dá esta oportunidade, de viver a história em direto, acontecimentos que podem estar nos livros de história, não são todos, mas às vezes acontece. Por exemplo, a catástrofe da Madeira foi transformada em livros e marcou a história da madeira, e estive lá, durante aqueles momentos, na vida daquelas pessoas e passados 12 anos, e em diante, o acontecimento poderá vir nos livros de história.

 

Pegando nessa citação, “o jornalismo é o primeiro rascunho da história”, que peso é que tem a fotografia nesse contar de histórias?

A fotografia tem a vantagem de permitir uma leitura muito rápida e muitas vezes inquestionável do que aconteceu, se no texto nós podemos identificar por vezes alguma subjetividade do autor, todos nós somos influenciados, incluindo os repórteres fotográficos. A fotografia, tem uma aura, também subjetiva, nós é que decidimos o que enquadrar, as definições da máquina, que podem dar uma carga mais ou menos dramática, a escolha das objetivas, que podem condensar ou não, transformar uma multidão de pessoas num grupo de pessoas e vice-versa. Tudo isso tem carga subjetiva, mas permite acima de tudo, dar uma prova irrefutável de que aquilo aconteceu naquele dia àquela hora. Por exemplo os discursos emblemáticos do Martin Luther King, todos sabem que teve milhares de pessoas, mas o que nos vem à cabeça é aquela imagem do mesmo com os microfones à frente a discursar. São fotografias, é que vamos ter, fragmentos.

 

Qual será a diferença entre uma máquina fotográfica e uma câmara de telemóvel?

Objetivamente são dois aparelhos que permitem captar imagens. Tecnicamente são coisas tão diferentes, que um não substitui o trabalho do outro, na medida em que o telemóvel estaria para a fotografia como um livro de rascunhos e a máquina fotográfica como um caderno de folhas de papel de primeira gama onde permite escrever a tinta da china como uma caligrafia sublime, esta saiu-me bem. O telemóvel tem uma inteligência artificial que até pode adulterar a cena, aquilo que vemos não é real. Já a máquina, como permite tanta afinação, permite que cheguemos a essa imagem mais próxima da realidade, mais verídica e com mais qualidade.

 

Sente que as pessoas se esqueceram das máquinas fotográficas, por terem um aparelho no bolso que é só tirar e já está?

Sem dúvida, a democratização da fotografia foi com o telemóvel, de uma maneira que já não pensamos, tiramos do bolso e fazemos uma foto da coisa mais mundana que possa existir, nem que seja como auxiliar de memória dos preços do supermercado, ou o contacto de alguém. Portanto a democratização vem por aqui, não quer dizer esteja ligado ao fator qualidade, nem se é bom ou mau. É um acesso a toda a gente, o que é bom, se todos têm acesso quer dizer que há mais fotografias, mas é feito com menos cuidado, é tão banal que já não se pensa. As máquinas ainda dão essa carga de responsabilidade de ter que refletir sobre o que se está a fazer. Difere também do utilizador, a maneira de como uso o telemóvel é completamente diferente da maneira de um cidadão comum sem conhecimentos de fotografia ou o jornalismo usa, eu com um telemóvel na mão serei sempre um fotojornalista, mas o contrário não, porque falta bagagem teórica, ética, deontológica daquilo que vais fazer com as imagens quando as captas.

 

Por falar nesse assunto, o quão importante é a ética e a deontologia na divulgação da imagem?

É tudo, é o que difere o jornalista dos cidadãos, aquilo que nos difere é a carga ética, deontológica e sobretudo ter a consciência de quando estamos a fazer o trabalho, e a publicá-lo, é uma responsabilidade. Acima de tudo se não o cumprirmos sabemos que não o estamos a cumprir, é o mais importante. O mais perigoso é um cidadão com uma máquina nas mãos, não tem o conhecimento para saber o que está a fazer de mal. Um jornalista tem essa consciência, determinadas ações podem ser questionáveis a nível ético e deontológico, ao fazer alguma coisa, sabe que pode estar a passar um limite e mesmo assim fazê-lo. O que é diferente de um cidadão, vê um corpo no chão, agarra no telemóvel e faz uma foto que já lá vai, até mesmo publicar, sem saber o que está a fazer. Um repórter fotográfico quando vê esse corpo espera que venha alguém cobrir com um lençol para captar o momento, porque tem o dever de perceber se é notícia, como um acidente por em causa a segurança rodoviária, e abordar o tema. Com isto, tentar resguardar a dignidade da pessoa, da família, que pode ainda nem saber do sucedido. Um lençol branco é sempre um lençol branco, mas no chão, com a polícia ao lado, e as fitas de frente já é uma vítima mortal, mas não mostraste a vítima, continua a ser chocante, mas não exploraste de forma exagerada a imagem da pessoa, é um exemplo exagerado, para passar ideia. Felizmente não temos situações destas todos os dias.

 

Por fim agradecer-lhe por ter falado connosco e o que sentiu ao voltar às jornadas?

Voltar às jornadas é muito bom, principalmente por perceber que continuam a trabalhar e a fazer. É um momento único em que os alunos podem e devem aproveitar, não só pela experiência que ganham desde quem está na organização ou de quem pode assistir. Em Portugal estamos no interior, e não é assim tão fácil trazer aqui pessoas para vir falar e para vocês terem o conhecimento e perceber a experiência de quem está no terreno. Acho ótimo, e faço votos que continue por muitos anos e no que precisarem da minha ajuda, estejam à vontade.

 

Autores: Mariana Pinho e Tiago Neves

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