Esperança ou tormenta? Como se vive a religião na pandemia

Parte I – Fiéis: “Por amor a Cristo” e o contraditório

Esperámos uns minutos por José Barbado. À porta da igreja dos Assentos, em Portalegre, também a mulher e uma amiga esperavam por ele enquanto falavam sobre o estado do país e do mundo, por causa da Covid-19. José chegou pouco depois ao exterior. Após despir o seu fato de acólito, trocou umas palavras connosco. Diz-nos que continua a ir às celebrações religiosas porque está “dentro do espírito da igreja”, pela crença que tem e “por amor a Cristo”. Acrescenta ainda que quando tem disponibilidade vai aos domingos, sábados e quartas-feiras.

José está muito envolvido na igreja. Para além de acólito faz também parte do grupo da igreja e de uma confraria. Acredita que o espaço de culto é seguro “desde que as pessoas que o frequentam tenham cuidado, mas sublinha: “Todos nós temos que fazer a nossa parte para minimizar esta situação grave que atravessamos”.

No primeiro confinamento, e apesar de não ter havido cerimónias religiosas presenciais, José Barbado não deixou de ter os seus momentos de culto. Juntamente com a família, aproveitou as transmissões disponibilizadas pela comunicação social – “Quando fechou no primeiro período de confinamento em casa tínhamos a nossa igreja familiar. Acompanhávamos as cerimónias através dos meios de comunicação social”. Sobre a exceção da abertura das igrejas neste novo confinamento, José justifica a decisão com o que se passou dentro da igreja dos Assentos: “Há o respeito dos paroquianos e as pessoas respeitam o espaço que está legislado e temos todo o cuidado como o senhor viu”.

Também no exterior da capela conhecemos André Fonseca. Ao contrário de José, André não costuma frequentar a igreja. Desta vez foi “porque era a missa do primeiro mês do falecimento do meu avô, devido à Covid-19”. Apesar de o país estar perante um novo confinamento, André considera que a abertura das igrejas faz sentido “para quem tem mesmo muita fé”. Ainda assim, acha que a situação portuguesa não está a ser bem gerida – “Por outro lado acho um bocado contraditória (a medida de confinamento) quando nos é pedido para ficarmos em casa e não circular e continua a haver esta liberdade para vir à missa”. E remata: “Fecharam simplesmente algumas áreas e continua a haver uma liberdade para a circulação”.

Parte II – Os sacerdotes

II.I – Emanuel Silva

“Olho para a situação como sendo própria da condição humana”

Emanuel Silva é sacerdote há 30 anos. Diz que foi uma “experiência de fé” que o levou a optar pela religião e confessa que “ser padre não é uma algo que ficou lá atrás, é uma coisa em que o sentido da vida é quotidiano”. Agora, a trabalhar em plena pandemia, Emanuel confessa que nunca pensou viver nada assim…

Apesar do momento que o país e mundo atravessam, o pároco da Sé – Portalegre – olha para a situação como algo que é “próprio da condição humana” e salienta que não se deixa levar por teorias da conspiração.

Com o aparecimento das primeiras vacinas, a ciência voltou a dar cartas no mundo inteiro. Questionado sobre se religião e ciência ainda rivalizam, Emanuel fala em união e refere que não há necessidade de escolher apenas uma das opções.

União é também uma palavra usada noutros contextos Numa altura em que os portugueses vão acusando cansaço por causa da Covid-19, a gestão da fé pode ter vários caminhos…

Quando tudo passar, Emanuel Silva acredita que a igreja terá um papel incontornável ajudando a “criar e recriar as pessoas na esperança” e a “repensar o sentido da vida de cada um”.

“Muitas pessoas diziam que se sentiam seguras”

Tal como todo o país, também a igreja teve de se adaptar à nova forma de viver. Com o objetivo de respeitar todas as normas da Direção-Geral da Saúde e do Governo, também a paróquia de Emanuel Silva se viu obrigada a reconfigurar os espaços de culto.

Na tentativa de não juntar muitas pessoas nas igrejas, foi avaliada a necessidade de multiplicar celebrações. A iniciativa acabou por não se concretizar, sobretudo por causa do bom comportamento dos fiéis. O pároco de Portalegre, que repetiu muitas vezes a necessidade de utilizar a máscara, elogia a comunidade e explica que outras medidas foram tomadas.

 Com o passar do tempo, muitos dos que frequentam os espaços de culto da cidade acabaram por se habituar e nem as pessoas de terceira idade deixaram de assistir às diversas missas.

Como exemplo do trabalho feito pela paróquia, Emanuel Silva fala sobre a igreja dos Assentos. O padre diz que apesar de “ser grande e com capacidade de comportar pessoas, depois de aplicadas as regras ficou com 80 lugares sentados. Há sempre capacidade para mais duas ou três pessoas de pé, mas respeitando as normas fizemos isso”.

– No fim de cada celebração religiosa, a igreja dos Assentos (Portalegre) é toda higienizada e desinfetada

Iniciativas para o confinamento? “Corríamos o risco de ser apenas mais uma”

Durante o confinamento de março e abril, muitas foram as paróquias nacionais onde se implementaram algumas iniciativas para combater o impedimento de circulação. Contudo, em Portalegre o cenário foi diferente e Emanuel Silva explica porquê.

Agora que Portugal entrou num novo confinamento, o padre da Sé admite que algumas ideias para aproximar as pessoas da igreja possam ver a luz do dia. O motivo é a identificação dos fiéis com a comunidade.

Apesar de um primeiro confinamento onde ficou a faltar a presença da paróquia, no Facebook da mesma foram redigidos alguns textos.

Com o país novamente em casa, as celebrações religiosas fazem parte das 52 exceções do recente confinamento geral. Ao contrário do que aconteceu em março, a Conferência Episcopal Portuguesa não manifestou, para já, vontade de encerrar as igrejas.

“Cada vez que faço um funeral penso que um dia poderá ser comigo”

A escalada de casos Covid tem tido como consequência um elevado número de mortes. Em Portugal já faleceram, desde o início da pandemia, cerca de 8860 pessoas. Os funerais são agora mais restritos e Portalegre não foge à regra.

Para Emanuel Silva os enterros são, além de trabalho, momentos de reflexão. O padre com mais de 30 anos de experiência, confessa pensar muitas vezes que um dia poderá ser consigo, sublinhando que “sente muito a presença das pessoas que estão no funeral”.

Apesar de o momento da morte ser marcante, os padres tentam sempre oferecer apoio aos enlutados. O pároco admite que quando faltam estas cerimónias “o luto fica beliscado”…

Na contabilização do número de mortes nacionais, Portalegre também contribui para os números. Desde o início da pandemia o concelho já registou cerca de 35 mortes e é o município do Alto Alentejo com o mais elevado número de óbitos.

II.II – Rui Rodrigues

“A pandemia veio trazer-nos alguma fragilidade”

Rui Rodrigues é sacerdote em Alter do Chão e, entre outras igrejas, percorre todo o concelho. À semelhança de Emanuel Silva, faz parte da Diocese Portalegre – Castelo Branco.

O pároco diz que a “pandemia veio trazer-nos alguma fragilidade” e que “enquanto nós precisamos estamos todos junto, no fim de ter abandonamos”. Rui Rodrigues fala ainda nas vacinas contra a Covid-19 e da maneira como vê a relação ciência – religião.

“Inicialmente tínhamos uma equipa para dar atenção a cada pessoa”

Nos espaços de culto em que Rui Rodrigues preside a cerimónias religiosas, as medidas de proteção da saúde pública foram todas postas em prática. O sacerdote realça que, no início da pandemia, havia equipas específicas “para dar atenção a cada pessoa” e até para acompanhamento dos fiéis aos respetivos lugares.

“Estamos a habituar-nos que venha tudo ao nosso encontro”

Do anterior para o novo confinamento – Se antes a paróquia usou as redes sociais para manter a fé perto das pessoas, neste novo confinamento isso poderá não acontecer. Segundo o padre Rui, “estamos a habituar-nos que venha tudo ao nosso encontro”. Em contrapartida, nos meses de março e abril existiram iniciativa que juntaram fiéis de todos os lugares do globo e algumas são consideradas “ponto alto” das transmissões online, como é o caso da reza do terço durante o mês de maio.

“A palavra da fé é fundamental nas crises”

“Foi aos poucos perceber que houve gente que já não voltou e há aquelas que vieram e que procuram estar da melhor maneira”. Rui Rodrigues relata assim a reabertura das igrejas após o primeiro confinamento. O sacerdote diz que “esta pandemia veio abanar-nos” e que, ainda durante a situação de março e abril, as pessoas contactava-no “na necessidade de rezar e ouvir uma palavra de conforto”. No que ao novo confinamento diz respeito, Rui não sabe se vão aparecer muitas ou poucas pessoas, sublinhando que “no primeiro confinamento as pessoas estavam ansiosas por ter um conforto espiritual”.

Autor: João Buxo

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