Entre a tradição e a modernidade da Rua do Comércio

 

Ao longe avista-se uma placa de fundo branco que anuncia a chegada. Estamos em Portalegre. Passando por grandes infraestruturas, continuamos o caminho.  Ao subir uma rua íngreme de calçada tradicional, onde o cinzento se faz notar, cruzamo-nos com idosos que convivem sentados num banco de madeira à espera que a hora de almoço chegue para aconchegarem o estômago.

Ao cimo, encontramos uma outra rua. É a Rua do Comércio, localizada na zona histórica da cidade, onde a aposta em novos projetos tem vindo a crescer lentamente e que convivem com muitos estabelecimentos que se mantém ativos há décadas.

É na porta número 35 que encontramos a Papelaria Arco-íris, um dos mais antigos estabelecimentos desta rua. O proprietário, João Mourato, enquanto folheia um jornal, conta que inicialmente o negócio passava pela venda de produtos alimentares. Só mais tarde é que criou a papelaria. “Aos 16 anos de idade comecei a ajudar os meus pais numa pequena mercearia de que eram sócios-gerentes”, lembrou João Mourato. Alguns anos depois, decidiu investir no seu próprio negócio e foi assim que nasceu a Arco-íris, aberta há 32 anos, na Rua do Comércio, artéria da cidade que João Mourato reconhece que “já viu dias melhores”.

Uns metros mais a baixo, no Largo Doutor Frederico Laranjo, encontramos um dos cafés mais antigos da cidade. O Café Central tem já algumas dezenas de anos e vários proprietários na sua história. Atualmente é Domingas Mendes que gere o negócio. Localizado num largo que em tempos foi paragem obrigatória para muitos, hoje em dia resistem apenas prédios e árvores que parecem entristecidas.
Com fachadas constituídas por grandes portas de vidro, este estabelecimento que é agora um restaurante, tenta atrair clientes com as mudanças que sofreu recentemente.

Enquanto pica uns alhos e fatia laranjas, que servirão para um dos pratos mais pedidos na sua casa, as migas com entrecosto, Domingas Mendes conto que o início do projeto começou quando o filho terminou o secundário há 6 anos. Sem emprego em vista ou perspetivas de ingressar na faculdade, resolveu agarrar este negócio. “Durante os primeiros três anos o negócio teve pernas para andar e correu muito bem. Tínhamos muitos clientes, estávamos abertos enquanto café e restaurante. Os clientes gostavam dos pratos”, lembra a proprietária.

No entanto, “nos últimos dois anos as receitas têm vindo a descer por completo, as pessoas que aqui apareciam vinham apenas para beber café ou para pôr a conversa em dia, mas almoços e jantares, era complicado”, lamenta Domingas Mendes.

Com contas para pagar, não baixou os braços e pediu ajuda. “Nós já estávamos a bater no fundo, como se costuma dizer. Mais uns meses e declarava falência, estava com completa noção disso. A nossa única solução foi inscrever o Café Central no Pesadelo na Cozinha com o chefe Ljubomir. Fomos aceites e ele veio ajudar-nos. Não foi fácil, foram dias de muitas lágrimas, sorrisos também, mas foi muito duro”, recorda a proprietária.
“Eu sabia que tinha de ser assim, senão fechávamos a casa e ninguém queria isso. Depois desta experiência muita coisa mudou. As vendas e os clientes, a partir daí, subiram consideravelmente. As ementas mudaram, o espaço foi também todo renovado, ficou mais amplo, as paredes estão agora azuis com frases de José Régio, um ícone aqui da nossa cidade. Só posso dizer que esta experiência nos ajudou e nos impulsionou” explica Domingas Mendes.

Em relação ao futuro, considera que “já não há muito mais a fazer. O que poderia fazer já fiz. As pessoas estão a sair da cidade, os jovens então saem com muito mais facilidade, vão estudar para fora e já não voltam. Acho que a partir de agora é manter, porque querer mais é difícil na cidade em que estamos”.

Os novos projetos, apesar da crise

Para além dos muitos estabelecimentos que se mantém na Rua do Comércio há largos anos, há também aqueles que decidem apostar em novos negócios. Sem medo de arriscar e com esperança nos seus projetos, vão nascendo novas lojas para públicos distintos.

A passos largos, dirigimo-nos à Miau Baby Store, uma loja recente na Rua do Comércio, dirigida a um público específico. Ao subir o degrau deste estabelecimento encontramos duas grandes montras. Os artigos para bebés chamam a atenção e o rosa claro e o azul predominam nesta exposição.

Foi sentada a uma secretária que Ana Salgueiro falou sobre este negócio, que abriu portas há um ano. Entre agendas personalizadas, chupetas e livros-guia para grávidas, a conversa desenrolou-se.
“Tudo começou a partir do momento em que fui mãe e decidi criar um negócio por conta própria, visto ter tido alguma dificuldade em encontrar produtos para bebé. Era uma área que me interessava e por isso decidi investir nela. Existem algumas lojas com artigos desta área, mas não tinham os artigos que eu consegui ter aqui como as camas Montessorianas que hoje em dia são muito conhecidas, por serem produtos que eu também procurava para mim e por não encontrar cá, decidi que seria uma boa aposta”, explica Ana Salgueiro, para quem a Rua do Comércio foi a primeira opção para a localização da loja.

Foi com uma cara triste que nos assumiu que a loja não está a ter os resultados que esperava. “Hoje em dia,  as pessoas não aderem muito ao comércio tradicional. Acho que os habitantes aqui de Portalegre preferem ir comprar fora, preferem não se preocupar em procurar se há ou não aquilo que eles querem. Acabam por ir passear e comprar fora”.

Com o olhar direcionado para quem passava pela rua, na esperança que alguém se atrevesse a entrar, Ana Salgueiro assumiu as dificuldades que tem encontrado. “É muito complicado ter este negócio aberto, arrisco-me a dizer que neste ano em que estivemos abertos, o único dinheiro que consegui tirar foi para pagar as contas e para fazer novos investimentos. Salário para mim não consigo tirar”, afirma.

Agradecida por poder falar um pouco da sua experiência, esta jovem empreendedora ainda não perdeu a esperança e assegura: “até poder eu irei continuar aqui”.

Assim como Ana Salgueiro, também Sérgio Morais se lançou, há relativamente pouco tempo, no comércio tradicional.

Aberta há cinco anos, a mercearia Frutos da Terra, vende produtos específicos para “um público exigente”. Entre atender os clientes que pediam “o pão do dia” e ajudar a idosa a servir-se de legumes, Sérgio Morais contou como surgiu este estabelecimento.

Nos últimos anos, a mercearia tem vindo a ganhar clientes e a afirmar-se no mercado tradicional, assume o proprietário. “Nós estamos aqui há cinco anos, os primeiros dois foram muito maus, mas os últimos três têm corrido bem”.

Entre o atendimento à dona Elizabete, que todos os dias vai buscar o pão, e ao senhor João que foi encomendar pão para o fim de semana por ter os filhos e netos lá em casa, escutamos o desabafo de Sérgio Morais: “Os centros comerciais têm ganho muitos clientes, é verdade, mas o atendimento nos supermercados é muito pouco comunicativo. É passar os produtos pelo visor e até amanhã. Aqui no comércio tradicional há um contacto diferente com o cliente. Nós perguntamos se está tudo bem, se o marido está melhor, se os filhos vêm até à terra. É um contacto diferente e para as pessoas com mais idade, isso é de valor”, considera.

Com um sorriso no rosto por o negócio estar a correr bem, Sérgio Morais volta toda a sua atenção para os clientes que entraram na loja e continua a sua vida de comerciante, ali na Rua do Comércio.

Autor: Raquel Silva

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