(Foto)jornalar sob ventos de mudança

Falar de fotojornalismo, falar de fotojornalistas, é falar de tudo. Do mundo que nos rodeia. Os diferentes flashes percorrem-no. E memorizam… crianças que brincam, correm e riem. Jovens que crescem entre ares noturnos. Mulheres que se tornam mães. Outras, escravas da vida. Crise e gente rica. Políticos e a vida quotidiana. Armas que disparam. A guerra. Milionários, porsches e lamborghinis. Inaugura-se uma empresa. O verde das árvores. Ou o negro das cinzas.

E sempre o disparo de uma máquina.

O cenário varia, a emoção também. Mas não o sentimento de fotografar o que acontece. De contar uma história. E é este sentimento que nos transmite Patrícia de Melo Moreira, fotojornalista freelancer, quando diz “a minha profissão é a melhor profissão do mundo”.

Os momentos jamais revividos são gravados na memória através da arte que é a fotografia, através do dom e sensibilidade dos profissionais. A história faz-se, as personagens marcam e os registos ficam. São os jornalistas que nos levam ao ali e ao acolá tão distantes, outros tão perto. São os jornalistas que nos trazem o ali e o acolá tão distantes, outros tão perto.

Informar através da fotografia. Fotografar A notícia. Como conta Nuno Veiga, também fotojornalista freelancer, “gosto de fotografar tudo o que tem a ver com a notícia. Trabalhos fora do jornalismo não me dão gozo”.

São fotojornalistas que se criam, que crescem, que evoluem e partilham connosco o que vivem. Apaixonados pela fotografia, pela atualidade, pelas pessoas. Todos o fazem pelo gosto de fotografar; pela ânsia de informar – dar a sua visão ao mundo, do mundo. Fazem fotojornalismo.

 

 

 

Quem és tu, Jornalismo?

A realidade do jornalismo está em constante mudança. Nos últimos largos anos, essa mudança tem o pé no acelerador. Como todos e como ninguém, o jornalismo (o que se faz, não o que é na sua real conceção) tem defeitos. Lacunas. Falhas. Imprecisões. A garra, a determinação (ficcionalmente heróicas, quiçá) do jornalismo, estão atualmente de mãos dadas com a crise. Sair para a rua, ouvir as pessoas, perceber o que realmente aconteceu, substitui-se por jornalistas fechados numa redação. Apenas isto. Por sinal, uma redação cada vez mais vazia.

A bola de neve cresce, o caos bebe um sumo e senta-se no sofá e despedem-se situações mais felizes.

Falar de jornalismo é uma conversa sem fim, mas que vale a pena. Importa refletir porquês e causas. Importa tentar travar o que se vive e o previsto do que se vai viver. Importa debruçarmo-nos sobre o que é o jornalismo de hoje em dia.

As condições de trabalho atuais têm doenças cada vez mais difíceis de curar. Estar empregado na área jornalística é sinónimo de um trevo de quatro folhas. A dificuldade leva muitos a tornarem-se freelancers, o que nem sempre garante comida na mesa.

Patrícia de Melo Moreira é fotojornalista há cerca de oito anos, freelancer. O seu percurso de altos e baixos, de conquistas e glórias, de dias acinzentados, faz-se com o objetivo de chegar mais além. Ignoram-se os recibos verdes e a carreira inicia-se na lufa-lufa de trabalhar para variados órgãos de comunicação em simultâneo. “Hoje em dia é cada vez mais difícil estar num sítio fixo, em que tenhamos aquela garantia que vamos ter um ordenado ao final do mês”.

A persistência, encorajada pela paixão, vai cortando mato e descobrindo mundos maiores. No enredo da história, há batalhas que se ganham – “cheguei àquela altura em que já tinha um trabalho mais ou menos fixo”, a trabalhar para a revista Pública, do jornal Público, e as revistas Notícias Magazine e Notícias Sábado, do Diário de Notícias. No enredo da história, há batalhas que se perdem – “cortaram com a rubrica no Público e começaram a cortar serviços nas Notícias Sábado e Notícias Magazine. E aí fiquei sem nada. Foi poço coto totalmente”. Foram cinco meses sem trabalho. “E isto depois de estares numa altura em que sentes que estás no pico, que estás a tentar e a chegar a um sítio que já consegues publicar em sítios mais ou menos visíveis – porque até lá eu publicava em revistas pequeninas, muito pequeninas mesmo – chegar ao DN e ao Público tinha sido um caminho muito bom que tinha conseguido”.

Na guerra, desistir é morrer, portanto combate-se com as armas que se tem. “Eu como fotojornalista depois arranjava outras coisas para fazer. Uma festinha aqui ou ali, casamentos, eventos … para ganhar uns extras”.

Cinco meses vazios de espera e tentativas vãs. No entanto, os ventos de mudança voltam a soprar. E espreita uma oportunidade – a Agência France Press, de há três anos até esta data.

Ao invés, o percurso de Nuno Veiga foi diferente. Porquê? Como o próprio diz, “era o tempo das vacas gordas”. Com uma carreira de quase duas décadas, Nuno Veiga conheceu outro jornalismo quando começou. Terminou o secundário na área de Comunicação Social e enviou currículos. Enquanto esperava respostas, “andava a fotografar passagens de modelos, que era onde ia ganhando algum dinheiro”.

Estreou-se no jornal Notícias de Elvas. Acabou por ser um meio para atingir o seu fim. Estar num jornal era a porta aberta para estar na notícia. Estar na notícia era a janela aberta para agarrar a oportunidade. E ei-la, num jogo de futebol. “Nessa altura o Campo Maior sobe à primeira divisão. Eu fui a esse jogo pedindo acreditação através do Linhas de Elvas. Falei com o diretor, «eu dou-vos as fotos e vocês põem-me lá dentro», porque eu sempre achei que aparecendo, havia de aparecer alguém que tivesse interesse no meu trabalho”. A presença neste jogo garantiu ao fotojornalista um lugar na Agência Lusa, até hoje.

 

A estabilidade de uns, a procura de outros

A condição de freelancer pode revelar-se muito ingrata. A fotojornalista Patrícia de Melo Moreira diz que “nós somos freelancers, podemos trabalhar para muitos sítios ao mesmo tempo”. No entanto, humanamente, nem sempre é possível atender aos inúmeros vaivéns exigidos por diferentes órgãos de comunicação. Nuno Veiga conta-nos que chegou “a fazer serviços para três e quatro locais diferentes. Ou seja, obrigou-me a aumentar a produção. Literalmente, eu às vezes estava a fotografar num lado e atirava-me de voo para o outro, de modo a tirar um ângulo diferente para conseguir ter fotos diferentes para os três ou quatro. E é complicado”.

Ser-se freelancer é uma situação profissional vasta. Conseguir-se-á estabilidade financeira e profissional nesta condição?

Patrícia de Melo Moreira continua a trabalhar a recibos verdes, mas não é paga à peça. Na France Press é “colaboradora fixa. Tenho um valor variável consoante os meses, porque é consoante o número de serviços que faço, mas tenho um X de serviços garantidos. Ou seja, sei que pelo menos um X eu consigo fazer, porque aqueles serviços me são garantidos”.

Consequentemente, “hoje em dia, são muitos menos os sítios para os quais trabalho”.

Nuno Veiga caminha sob um registo semelhante. “Não trabalho à peça, tenho avença e sempre tive. Vou trabalhando para outros lados também, para compensar, mas são situações cada vez mais pontuais. Sou freelancer? Oficialmente sou, mas eu considero-me da Agência Lusa. Aliás, sou tratado como se fosse da casa e tenho tido oportunidades de ir fazer trabalhos no estrangeiro e outro tipo de trabalhos importantes”. Além disso, entre a Lusa e outro órgão de comunicação que lhe peça igual serviço, “tenho sempre a obrigação moral de dar a notícia à Lusa”.

 

A incógnita do acordar de amanhã

Apesar dos exemplos de situações atualmente estáveis, o nível de desemprego está cada vez mais obeso. E continuam jovens a formar-se na área jornalística. Após uma licenciatura de três anos, são lançados ao mundo nu e cru. E é o salve-se quem puder (e conseguir).

“Em Portugal quase não há um lugar aberto para fotojornalismo. É mesmo muito difícil ficar. Vai-se estagiar, está-se lá três meses e depois olha, vem outro. Às vezes ficam a colaborar, que é um serviço ou dois por mês. Se pagarem 60 euros por serviço, nem sequer dá para fazer vida daquilo, nem pensar”, conta Patrícia.

Portanto, Nuno Veiga diz que “com os tempos que correm, quanto mais coisas soubermos fazer, mais polivalentes formos, melhor para nós porque podemos garantir mais oportunidades de trabalho”.

O número de profissionais empregados desce. E o jornalismo enfraquece.

“Somos poucos e cada vez menos. O problema é sempre o mesmo: não há dinheiro, não podem pagar. Antigamente os jornais locais tinham fotógrafos e tinham jornalistas, hoje em dia têm jornalistas que fotografam e se for preciso ainda metem uma câmara a filmar lá ao canto para a webTV, ou para o site do jornal ou da rádio. Sai, faz a reportagem, chega ao jornal e pagina. Ou seja, temos uma pessoa a fazer o trabalho de três”, constata Nuno. Importa não esquecer que, antes de se ser jornalista, é-se um ser humano. Como tal, “para fazer bem várias coisas, só uma pessoa, é muito complicado. Aliás, eu diria que é impossível fazer. Está-se a pensar numa coisa, não se está noutra”.

Com isto, a cultura profissional vai-se desvanecendo. Nuno Veiga diz que “cada pessoa cria o seu género de fotografar”.Mas de que valerá isso, como diz Patrícia, se num “qualquer dia, na redação, que estarão todos a receber no telemóvel fotografias dos cidadãos comuns”?