A força de vontade move montanhas
Chama-se Mustafa Abdulsattar, fugiu de duas guerras e encontrou em Portugal a paz que tanto precisava para poder começar uma vida de novo.
Vivemos em tempos de pandemia, e o contacto social entre as pessoas tem vindo a reduzir, desta forma, o JConline, conheceu Mustafa Abdulsattar, um refugiado iraquiano que fez uma pausa no seu horário de trabalho para deixar o seu testemunho. A conversa decorreu via Messenger e do outro lado, vimos um homem com um ar sério, que escolheu um banco à beira rio para falar connosco.
É um homem vivido, com uma estória instável, onde o medo esteve bastante presente num período de tempo da sua vida, no entanto, não foi isso que o fez parar. Ao longo de toda a entrevista foi contando, sem aprofundar muito, como já precisou de auxílio, e mesmo não tendo a vida que imaginava ter, esforça-se por ajudar o próximo.
Foi a 20 de março de 2003 que teve início a “Guerra do Iraque” também conhecida como “Operação Liberdade do Iraque”. Os média internacionais consideraram as causas deste conflito polémicas. O Governo de George W. Bush alegou que a razão para a guerra foi a posse de armas químicas de destruição maciça por parte do Governo de Saddam Hussein, acusação que nunca foi comprovada.
É no meio deste caos, que Mustafa Abdulsattar, um homem de 36 anos foge em 2005 do seu país em direção à Síria. Mais uma vez, é obrigado a fugir devido à guerra civil que culminou no país em 2011. Nesse mesmo ano, chega à Turquia onde viveu quase quatro anos.
Mustafa Abdulsattar considera que começar uma vida de novo neste país é muito difícil para os refugiados, porque o nível de resposta em relação aos pedidos de ajuda é muito reduzido.
“As pessoas têm sonhos, e todos queremos um futuro melhor”
2016, é o ano de mudança para este homem. Com a força de vontade que sempre deixou explícita na entrevista ao JConline, ruma, num barco de borracha, com destino às ilhas gregas. Aportou na incerteza de conseguir passar a fronteira entre a Grécia e a Macedónia, de forma, a prosseguir o seu caminho em direção à Europa.
A vida dos requerentes de asilo é marcada pela espera e são muitos os que ficam com a sua vida em pausa, na expectativa de uma resposta que, por vezes, tarda em chegar. Para Mustafa Abdulsattar, a confirmação de que a Europa iria ser a sua nova oportunidade, chegou mais cedo.
Após uma semana, no país grego, consegue inscrever-se no Programa de Refugiados da Europa, em que Portugal nunca esteve nos seus planos.
Devido à informação que lhes era passada, desde que chegou ao campo de refugiados, a sua vontade sempre foi ir para a Bélgica ou Alemanha, pois o que lhe era dito era que estes países davam muitos apoios a pessoas que se encontravam nesta condição.
É neste mesmo ano que recebe a informação sobre o seu destino, Portugal. Contou ao JConline, que este lhe era um país totalmente estranho. Não conhecia a cultura, a língua e a localização geográfica, apenas sabia da existência do Cristiano Ronaldo.
“E depois, como é que fazemos?”
Chega a Portugal em 2016 e a sua adaptação foi difícil devido à falta de conhecimento da língua e cultura portuguesa. Apesar de ter sido ajudado pelo Conselho Português para os Refugiados (CPR) e pela Segurança Social durante 18 meses, em que usufruiu de um apoio financeiro de 150 euros por mês, alimentação e habitação, e ainda, teve dois meses de aulas para aprender português.
Considera que aprender uma língua do zero requer tempo e trabalho, sendo que dois meses não são suficientes, para compreender e dominar minimamente o idioma.
Ao fim de 18 meses, perde o direito aos apoios. É então que surge a pergunta “e depois, como é que fazemos?”, começando a deparar-se com o desafio de ter de se fazer à vida, ainda com dificuldades na língua e sem emprego.
Acaba por receber o auxílio da Fundação INATEL, onde conseguiu um trabalho como ajudante de lavandaria, profissão que exerce há três anos. No entanto, para conseguir rendimentos para se sustentar e enviar dinheiro para a sua família, que se encontra na Turquia, teve a necessidade de arranjar outro emprego. Assim, concilia o trabalho no INATEL com um part-time, no restaurante MEZZE.
Apesar das suas dificuldades no domínio da língua e de estar num país que não é o seu, considera que Portugal é um país calmo e, para ele, a vida é melhor. Contudo, salienta que conhece outras pessoas, que têm sonhos e querem um futuro melhor e isso não acontece
“Os portugueses ajudaram-me, agora é a minha vez de ajudar”
Contou ao JConline que mesmo com a situação da Covid-19 nunca deixou de trabalhar, porque acredita que esta é a forma de retribuir tudo o que já fizeram por ele, afirmando ainda que, “um dia para mim, outro dia para outra pessoa”.
No passado dia 23 de maio terminou o Ramadão, e mesmo estando em Portugal, nunca o deixou de praticar. Disse-nos que fazem um jejum de manhã à noite, durante 30 dias e quando questionado sobre a dificuldade que pode sentir durante o nono mês do calendário islâmico, Mustafa Abdulsattar ajeitou-se no banco, enquanto se enquadrava melhor na imagem, e respondeu com um tom assertivo, “Este é um mês de reflexão, eu tenho fome, mas há outras pessoas que também têm. Devemos dar valor a tudo o que temos.”
Desta forma, juntou-se a um grupo com cerca de 10 pessoas, para irem comprar produtos alimentares, doando-os a famílias carenciadas e já conseguiram ajudar quase 80 famílias.
“Tu nunca sabes o que te espera no futuro”
Refugiado, esta é denominação mais comum para os requerentes de asilo, no entanto, Mustafa diz não gostar do termo. “Quando as pessoas dizem refugiado demonstra um sentimento triste”.
Esta é a sua perspetiva em relação ao assunto e ainda são muitas as pessoas que tecem comentários depreciativos em relação a esta condição. Apesar de levar uma vida de trabalho e de tentar ajudar sempre o próximo. Mustafa já viveu na primeira pessoa momentos de preconceito por parte de terceiros e quando os ouve diz que tenta sensibilizar as pessoas afirmando:
“Eu quero que as pessoas sejam felizes”
Ao longo de toda a entrevista, foi contado como gosta de ajudar os outros, e que não o faz para ter algo em troca, mas sim para ver as pessoas felizes. Falou-nos também, da forma como o futuro é imprevisível e que devemos estar sempre atentos ao próximo, foi assim que introduziu uma das suas iniciativas. O requerente de asilo tem um grupo no Facebook com mais de 10 mil refugiados onde partilham as suas preocupações e fazem perguntas em relação à forma como podem resolver alguns problemas de cariz burocrático.
Para além deste grupo na rede social, costuma ir até ao Aeroporto Humberto Delgado, com o intuito de receber as pessoas que chegam a Portugal na condição de requerente de asilo, fazendo-os sentir bem-vindos, levando sempre com ele um pequeno cabaz com águas, chocolates acompanhados de palavras de apoio.
Saiu do Iraque há quase 15 anos. Tem um passado marcante, mas não deixa que isso tenha influência no seu futuro. Portugal foi o país que o acolheu, e apesar de não ter feito parte dos seus planos, admite que gosta de viver cá, mas para o fazer de forma plena terá de conseguir a documentação necessária para obter a nacionalidade.
Está à espera há dois anos de uma resposta por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e diz: “Quando receber a carta posso dizer finalmente que sou português, porque eu gosto de viver aqui, gosto dos portugueses”.
Autoria: Maria Bôto e Raquel Marvão
Ilustrações: Teresa Róis