“É importante recuarmos (…) para depois voltarmos por inteiro”
Salvador, um jovem motivado, deixou para trás Lisboa indo em auxílio daqueles que são obrigados a deixar as suas vidas a meio.
Depois das grandes vagas de refugiados na Europa vindos da Turquia e do Norte de África, os campos de migrantes começaram a ser uma realidade para aqueles que não conseguiam chegar a bom porto.
Hoje em dia, são muitas as pessoas que, por si próprias ou pela mão de organizações, decidem ir para campos de refugiados para apoiar em tudo o que for necessário para que a sua estadia seja mais facilitada.
Salvador Vital tem 19 anos e está a tirar as licenciaturas de Direito na Universidade de Lisboa e Ciência Política e Relações Internacionais na Católica. É voluntário num campo de migrantes na Bósnia e foi através da Collective Aid e do convite de uma amiga que tomou a decisão de ir para ajudar.
Diz que o que fazem com a organização é o trabalho de “tapa buracos” acabando por ter como ocupação aquilo que outras organizações não fazem como a distribuição de roupas, alimentos e organização de armazéns.
Por já ter tido algum contacto com refugiados na Casa de Acolhimento de Crianças Refugiadas na Bela Vista e através do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) confessou que a sua chegada ao campo na Bósnia não foi um grande choque, no entanto, teve momentos que o marcaram.
“Uma pessoa percebe, em várias situações, o quão privilegiados nós somos e, às vezes, nem temos essa capacidade de ver. Continua a ser um choque cultural estarmos contentes por uma coisa e depois percebermos que é um desastre para outros.”
No decorrer da entrevista, contou-nos, com o seu jeito pragmático, que as condições no campo não são as piores, mas também não são as melhores “Isto não é, propriamente, um hotel”, afirmou. No entanto, as organizações trabalham todos os dias para lhes darem as condições necessárias para viver.
Neste campo, as pessoas têm a oportunidade de escolher se pretendem ficar ou sair. O jovem voluntário contou aos JConline que muitos deles optam por ficar e outros tentam fugir pela fronteira da Croácia, mas que essa passagem quase nunca se realizava e acabam por retornar aos campos.
Os dias com a organização nunca são iguais e vão variando consoante as necessidades dentro do campo ou fora dele.
Apesar de ser um trabalho difícil, todos os voluntários da organização realizam formações onde recebem ferramentas para lidar com o dia-a-dia, contando-nos que nessa semana as raparigas da Collective Aid estavam a receber uma formação sobre Self Defense.
Tentámos perceber como era o ambiente entre voluntários e refugiados, mas Salvador deixou claro que a criação de laços entre ambas as partes era muito reduzida porque cada um tem o seu papel dentro do campo.
“Eles dão-se a conhecer, mas eu não posso de qualquer das maneiras, ter nenhum tipo de abordagem que crie uma ligação porque as pessoas têm de perceber que ser jovem e ser motivado não é a mesma coisa que ter um curso na área humanitária.”
Salvador diz que a distância emocional é muito importante porque se podem estar a evitar problemas, dando o exemplo de um episódio num campo de refugiados na Sérvia.
Mesmo sabendo que estão ali por vontade própria, o trabalho acaba, algumas vezes, por ser quase automático, não porque estão contrariados, mas porque as suas mentes acabam por criar um bloqueio na transparência de emoções. O jovem de 19 anos frisa a importância de saberem afastar-se para depois voltarem e conseguirem estar por inteiro.
“Por isso é que é importante, às vezes, recuarmos um bocadinho e pararmos o trabalho de campo durante uns dias para depois voltarmos e estarmos lá.”
Este é um dos muitos jovens que deixam o conforto das suas casas para ajudar aqueles que necessitam de apoio para conseguirem prosseguir com as suas vidas. Ainda assim, contou ao JConline que não quer ficar por aqui e pretende tirar um mestrado em Desenvolvimento e Ação Humanitária.
Autoria: Maria Bôto e Raquel Marvão
Ilustrações: Teresa Róis