Os Km percorridos até Portalegre

Todos os anos são milhares os estudantes que se deslocam para longe de casa de modo a ingressarem no ensino superior para continuarem as suas formações académicas. No Norte Alentejano, o Instituto Politécnico de Portalegre recebe estudantes vindos de todos os pontos de Portugal Continental e ilhas.

Neste ano letivo, Inês Gouveia, de 19 anos, voou da Madeira até Portalegre para estudar Serviço Social, Luísa Cerqueira, também de 19 anos, veio de Braga para iniciar a licenciatura em Administração de Publicidade e Marketing e Vanessa Ferreira, de 21 anos, aventurou-se de Portimão até ao Alentejo para entrar no curso de Jornalismo e Comunicação.

 

As três estudantes tiveram motivações diferentes para escolher Portalegre, Luísa viu nesta cidade uma oportunidade para se aventurar. “Eu sempre quis ir para longe de casa na universidade e então Portalegre pareceu-me uma opção barata”. Já Vanessa tomou a sua opção baseada nas referências do curso de Jornalismo e Comunicação: “apesar de estar um bocadinho longe de casa, foi onde me pareceu ter o melhor curso. Vi outras pessoas que saíram do meu curso e que tiveram uma boa entrada no mundo do trabalho. Pareceu-me ter saídas e estar bem construído.”

Já para Inês, a escolha não foi tão fácil, “eu inicialmente não era para vir, porque eu não queria vir para a universidade, estava um pouco confusa com o que é que queria”. Serviço Social não foi a sua primeira opção, “queria Criminologia, mas a minha média não dava. E como eu gosto muito de interagir com as pessoas achei que serviço social fosse um bom curso e pronto, fiquei em Portalegre”.

A distância entre as suas casas e o Politécnico não demoveu estas estudantes. Vanessa confessa que no início “assustou um bocadinho, porque estava com medo das saudades, mas pronto, é um sacrifício que se tem de fazer”. Inês Gouveia também sentiu esse medo “quando me mandaram o e-mail a dizer que tinha ficado cá, eu não queria vir, sempre fui apegada ao meus pais, eu sou filha única, e eles sempre me deram muitos mimos, estava sempre lá com eles e nunca fui assim de sair e ficar completamente sozinha”. Luísa experienciou um sentimento diferente: “eu sempre quis ir para longe de casa, sempre gostei de coisas diferentes, nunca gostei de estar sempre no mesmo sítio, já em Braga eu estava sempre a mudar de escola, era assim uma coisa normal”.

Não é só as suas casas que estas estudantes deixaram para trás, mas também as suas famílias, Inês conta que o sentimento foi de felicidade. ”Aí, ficaram muito contentes, acho que eles ficaram mais contentes do que eu sinceramente, porque na minha família nós somos muitos e a minha tia é a única licenciada, o resto não é licenciado e eles ficaram muito contentes pelo facto de eu poder um dia ser licenciada”.  O mesmo sucedeu com a família de Vanessa: “foi muita felicidade, muito entusiasmo e alguma tristeza por vir para longe, mas maioritariamente foi felicidade”.

Para a família de Luísa, o fator distância já foi entendido de forma diferente. “A minha mãe nem sequer sabia onde é que ficava Portalegre, depois quando eu lhe disse que era Alentejo. Ai! Meu Deus, ela tentou dissuadir-me para eu tentar ficar perto de casa, ela não se importava que eu mudasse de cidade, mas tão longe, para ela, custou. O meu avô também lhe custou mais, porque ele já esteve aqui na tropa em Portalegre e ele sabe o quão difícil é vir até cá em transportes públicos”.

De avião… até Portalegre

A viagem de transportes públicos é vista como o mais complicado de estudar longe de casa, Inês tem de viajar de avião até Lisboa e depois 03.45horas de autocarro até Portalegre. Luísa e Vanessa só precisam de utilizar um meio de transporte, mas mesmo assim, o trajeto não se torna mais fácil. Luísa passa 8 horas em viagem e Vanessa 5 horas.

Em todas estas horas dentro de um autocarro Luísa ouve “podcasts, música, às vezes falo ao telemóvel e durmo”, Vanessa também aproveita esse tempo para “ver alguma coisa. Normalmente estou no computador, porque os autocarros têm internet. Aproveito para fazer trabalhos ou ver alguma série ou algum filme”. Além destas atividades, no caso de Inês, o pensamento sobre o que estava prestes a acontecer também esteve presente “ia ouvindo música, vinha pensando nas expectativas que tinha em relação a Portalegre e do que é que eu poderia fazer aqui para me sentir melhor. Sempre a pensar que estava a família longe e a dormir”.

As viagens não são propriamente apreciadas pelas alunas. “Eu não gosto literalmente de nada na viagem, porque principalmente na situação que nós estamos a passar agora, numa pandemia, acho que os autocarros não estão bem organizados, eu em quase todas as viagens vou com alguém ao meu lado, é um risco muito grande e nem sequer têm desinfetante nem nada dessas coisas, tu é que tens de levar e depois as horas todas também não são agradáveis”, explica Luísa. Como pontos negativos, Vanessa também refere “a espera, o aborrecimento, o não fazer grande coisa, estar fechada dentro de um autocarro e o barulho”, mas vê como positivo “saber que estou a ir para um destino que me agrada, seja aqui ou seja em casa”.

Uma cidade mistério

A cidade de Portalegre era desconhecida para qualquer uma das alunas, e o primeiro impacto que tiveram foi distinto. Inês começou por achar a cidade “feia e escura”, Vanessa viu-a logo como confortável: “o facto de ela ser velhota, transmite-me conforto, as ruas são muito sossegadas, não há muitos carros, dá para andar bem, não se sente perigo, transmitiu-me conforto, gostei disso”. E Luísa sentiu logo a diferença entra a sua cidade natal e a cidade norte alentejana “definitivamente muito diferente de Braga, Braga é assim muito mais desenvolvida. Como era uma cidade eu estava à espera que fosse mais desenvolvida, mas achei giro por acaso, eu sempre quis vir ao Alentejo. Achei muito giro as herdades à entrada.”

Depois de chegar à cidade, voltar a sair não é frequente, devido à distância as idas a casa não são muitas, “só fui uma vez e uma segunda vez para as férias de Natal” conta Vanessa. Inês acrescenta que “mesmo no fim de semana, toda a gente vai para casa e eu fico aqui e depois nunca sei quando vou para lá, é muito complicado”.

Aquilo que que sentem mais falta é semelhante. Vanessa diz sentir mais falta “da minha família, sem dúvida”, para além da família e amigos, Luísa também sente falta “do que Braga me oferecia, na realidade, para além da família e dos amigos claro, mas isso aí tu ligas e tal, meio que atenua as saudades, mas sei lá, se eu queria alguma coisa eu tinha logo perto de mim, aqui não”. Inês confessa que quando voltou a casa no Natal “foi muito bom comer a comida típica da Madeira que eu já tinha imensas saudades”.

A adaptação para Inês não foi fácil. “Eu não me sentia muito confortável, porque eu olhava para as pessoas e parecia-me muito estranho, parecia que estava fora da minha zona de conforto, porque não ouvia o meu sotaque e era muito complicado, porque as pessoas falavam comigo e eu ficava meio desconfiada, porque sentia que não estava no meu ambiente”. Agora a visão que tem da cidade mudou completamente. “Acho que ajudou-me muito a crescer como pessoa, porque eu era mesmo muito agarradinha aos meus pais, eu não fazia nada sem eles, não era capaz de ir a um supermercado sem eles e agora aqui faço tudo sozinha e não os tenho sempre em cima de mim, e isso é ótimo, porque posso fazer tudo, claro, dentro dos limites, porque nós também temos de ser responsáveis, mas gosto muito de estar cá, gosto das pessoas, gosto do clima em si, acho Portalegre agora muito lindo, porque eu sou uma pessoa que acho tudo lindo e maravilhoso, se eu olhar para uma árvore é tudo lindo e pronto, agora gosto muito de estar cá por causa disso”.

Já para Luísa esta mudança de ambiente foi mais fácil. “Por acaso senti-me logo bem, as pessoas aqui são muito simpáticas. Tem os seus altos e baixos, mas estou a gostar. Eu gosto de mudança, por acaso. Mas compreendo que para pessoas que não gostam muito de mudança, ter de vir para tão longe seja mais complicado”. Vanessa encontrou conforto em quem estava a passar pela mesma situação, “por acaso foi fácil, adaptei-me bem, conheci logo uma colega de casa e como ela também é de longe, é de mais perto do que eu, mas ela também me ajudou e compreendeu a diferença, então passamos as duas pelo mesmo, então ajudamo-nos uma à outra”.

Mais perto ou mais longe de casa, uma parte importante da integração passa por conhecer pessoas novas. Apesar da situação pandémica que obriga a uma certa distância, Luísa diz que fazer amigos “por acaso foi fácil. Eu estava à espera que fosse mais difícil, como este ano não houve praxe nem nada disso, mas não, por acaso”.

Vanessa também se integrou logo bem com os colegas de turma, “sim, apesar do vírus, conseguimos estabelecer ligações, seja a tomar cafés, a falar de onde somos e essas coisinhas assim. Então conseguimos logo criar alguma ligação, porque estamos todos no mesmo barco, somos todos de longe (a maior parte) e é tudo novo, então ajudamo-nos uns aos outros”.

Inês prefere utilizar o termo “conhecidos”, mas admite que também já fez alguns amigos. “acho que os amigos conto pelos dedos, mas tenho muitos conhecidos. Eu cheguei aqui, conheci muita gente, mas depois tu acabas por te identificar mais com umas pessoas e esses acabam por se tornar, sim, os teus amigos e os outros conhecidos. Mas sim, acabei por conhecer muita gente”.

A cidade começou por ser estranha para estas três universitárias, no entanto, agora já se sentem integradas. Com as aulas online tinham a possibilidade de voltar para casa, mas todas optaram por continuar em Portalegre, seja por questões de segurança, liberdade ou independência.

Autor: Lara Pereira

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