Jornalismo desportivo no feminino

O jornalismo desportivo é uma das áreas onde as mulheres têm conquistado o seu espaço nos últimos anos. Embora ainda longe do número de jornalistas do sexo masculino na área do desporto, a verdade é que as mulheres têm aparecido assumindo cada vez mais papéis que antes estavam reservados quase em exclusivo aos homens.  É o caso do comentário desportivo ou da reportagem de pista de jogos de futebol. 

E, em dezembro de 2020, foi dado mais um passo com vista a uma maior igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no jornalismo desportivo.

Rita Latas, 27 anos, jornalista da Sport TV, foi a primeira mulher a fazer a narração de um jogo de futebol da I Liga em Portugal. O encontro aconteceu no dia 6 de dezembro entre a Belenenses SAD e o Sporting Club Braga. 

Confessa que sentiu alguma ansiedade, consciente de se tratar de um momento que acabará por ficar na história do jornalismo desportivo português.  Rita Latas, que semanas antes tinha sido alvo de um comentário considerado machista da parte do treinador Jorge Jesus, refere que se pode tornar “uma coisa normal” as mulheres fazerem a narração de jogos de futebol e que o passo que deu “pode ser uma viragem quanto à presença de mulheres nestes momentos”.

 

Licenciada em Sociologia e mestre em Jornalismo, Rita Latas começou a fazer reportagem de pista na rádio e passou depois pelo ciberjornalismo desportivo. Mais tarde, estagiou na Bola TV onde acabou por ficar quase três anos. Desde o ano passado que é jornalista da Sport TV.

A profissional assegura que tem a sorte de sempre ter trabalhado com “pessoas que me respeitam muito”, mas reconhece que por vezes “existe uma certa desconfiança” em relação ao trabalho que as mulheres podem desenvolver no jornalismo desportivo, uma área historicamente associada ao mundo masculino.

Nada que demova a jornalista: “As mulheres não percebem menos de futebol. As mulheres também gostam de falar de futebol. Não digo que seja igualmente fácil como é para o homem, mas se confiarmos naquilo que fazemos, conseguimos ganhar esse respeito”. 

E Rita Latas tem feito por isso, até porque o seu percurso pessoal a tem ajudado nesse aspeto. Antes de ser jornalista, praticou futebol e futsal durante 13 anos. Aliás, confessa, o seu sonho era ser jogadora profissional de futebol, “mas quando eu era mais nova, as coisas não estavam tão desenvolvidas em Portugal como agora e ir para fora não era uma possibilidade”.

Acabou por enveredar pelo jornalismo desportivo como forma de “continuar a falar de futebol. Queria muito comentar o jogo, narrar o jogo”. O jornalismo desportivo é uma forma de estar próxima daquilo que mais gosto, embora fora das quatro linhas”. 

Rita Latas é hoje uma mulher que está a viver um bom momento na carreira e, por isso, quer “dar continuidade ao trabalho que está a ser feito”.

Apesar disso, não se livra de alguns comentários menos próprios pelo facto de uma mulher se estar a afirmar no mundo do futebol. Esses comentários, considera a jornalista, “são fruto de se estar a viver um momento de mudança”. 

“Estava preparada para estes comentários, sabia que poderiam ser positivos ou negativos, mas acredito que no futuro acabe por se tornar uma coisa banal”, referiu Rita Latas. A jornalista acredita que “a partir do momento em que as mulheres acabarem por tomar outras posições é normal que as pessoas mudem”.

Acreditar na mudança

A situação de Rita Latas não é um caso isolado e muitas jornalistas da área do desporto recebem comentários menos próprios. Beatriz Marujo Leal, jornalista da Bola TV, afirma que muitos tentam não ser diretos e fazem “piadas” para expressar os seus pensamentos sem serem criticados. 

No inicio, o desporto era visto como algo que não podia ser praticado por qualquer pessoa pois requeria capacidades físicas rígidas e, supostamente, as mulheres não possuíam o que era exigido. Para a jornalista da Bola TV, essa ideia está pré-concebida na sociedade e parte da nossa educação e cultura. 

A jornada em busca da igualdade pode ser longa e cheia de altos e baixos, mas Beatriz Marujo Leal acredita que mais vale um percurso demorado e eficaz do que algo rápido e imediato que não traga uma mudança permanente. 

Na mesma linha de pensamento, Rita Latas concorda com a afirmação de que o percurso deve ser solido e que ainda vai demorar para que as mentalidades mudem:

“Acho que não vamos ter resultados tão depressa. Temos de ir fazendo um caminho sólido, porque acredito que estamos num momento de transição geracional que poderá permitir que essas mentalidades mudem. A nossa geração já olha para as coisas de maneira diferente, mas uma novidade rompe sempre com aquilo que era aceite. A forma como agora surgiram comentários positivos e negativos, é sinal de que nem toda a gente está preparada para a mudança. Acho que é um processo como os outros que romperam com coisas que estavam instituídas na sociedade.”

– Rita Latas

Aos poucos, as mulheres têm conquistado espaço em todas as áreas e as jornalistas Beatriz Marujo Leal e Rita Latas acreditam que com o passar do tempo as mulheres finalmente alcançarão a igualdade de género e não será mais um choque ver uma mulher em qualquer setor da sociedade, incluindo no futebol.

E fica o conselho para as mulheres que querem seguir o jornalismo desportivo: “Não liguem a possíveis preconceitos que possam existir por parte de algumas pessoas. Estamos a criar alicerces para tornar normal a presença das mulheres no jornalismo desportivo”. 

Autor: Rilany Will

Ver também: Mas afinal, as mulheres percebem de futebol?

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