Ficção nacional: a “guerra das telenovelas”

“(...) num dia como os outros, à hora de um jantar igual a muitos outros, o consumidor de televisão faz o seu «zapping» e tem o retrato instantâneo da televisão de um País. Ou será o retrato desse mesmo País através da televisão?”

A liberalização do sector televisivo português foi há dez anos e uma mudança significativa na programação marcou o início da era da televisão privada. O ano 2001 é considerado como o ano da crise pois, a guerra das audiências teve como consequência principal uma onda de transferências e o agravamento da situação financeira da RTP. A transferência mais inesperada foi a de Emídio Rangel para a RTP que se fez acompanhar de José Alberto Carvalho, Alberta Marques Fernandes, José Fragoso, entre outros profissionais da estação de Carnaxide. Com o objectivo da internacionalização a SIC Internacional passou a transmitir para Moçambique e Angola, a partir de Julho de 2000. Acordos com a PT Multimédia (que inclui a participação da SIC em 60% da CNL) e os canais SIC Gold e a SIC Radical são algumas das inovações da SIC.
A TVI, com base numa estratégia de contra-programação, tem vindo a recuperar desde 1999, após um período de falência técnica. Esta recuperação tem sido realizada com a nova grelha de Setembro 2000 que faz um forte investimento na produção nacional (“Todo o tempo do mundo”, “Jardins proibidos”, etc.) e alguns programas de entretenimento (“Reis da Música Nacional”, Ri-te Ri-te, etc.). O programa “Big Brother” permitiu à TVI recuperar e fidelizar audiências.

O ano 2001 representou o ano da consolidação da liderança das audiências para a TVI que muito ficou a dever-se à ficção nacional, nomeadamente, à telenovela “Olhos de Água”. Seguiram-se outras novelas de sucesso de audiências: “”Filha do Mar”, “Anjo Selvagem” e “Nunca digas Adeus”. Neste contexto, de resposta das televisões privadas às leis do mercado da publicidade, os programas são dirigidos às grandes audiências e as estratégias de programação tornam-se homogéneas e rotineiras, com o objectivo de fidelizar o grande público. A repetição representa um meio de fidelização do grande público, nomeadamente, horizontal (stripping). Esta fidelização horizontal caracteriza-se pela difusão de Segunda a Sexta-feira do mesmo programa no mesmo horário. Este tipo de estratégia de programação pode ser complementada por uma fidelização vertical, ou seja, que se mantém toda a semana (por exemplo, as séries e as telenovelas têm vários episódios pelo que fidelizam o público).

As telenovelas brasileiras tiveram uma presença muito forte na televisão portuguesa durante anos. A primeira novela “Gabriela, Cravo e Canela” com base no romance de Jorge Amado, estreou-se em 1977. A rede Globo produziu muitas novelas como: “O Casarão” (1978), “A Escrava Isaura” (1978), “O Astro” (1979), “Dancing Days” (1980), entre outras, algumas sobre a temática da política (por exemplo, “Sassá Mutema”).
Nos últimos dez anos a produção para televisão, em Portugal, transformou-se com as televisões privadas. A juventude da produção televisiva portuguesa está associada a alguns factores: “falta de bons registos documentais sobre escritores, artistas, músicos contemporâneos portugueses; há falta de documentários sobre as figuras que fizeram a democracia portuguesa; há falta de registo de dança, de produções de ópera, de concertos musicais clássicos ou ligeiros por intérpretes nacionais.”

A primeira experiência, em matéria de telenovela, surgiu com a “Vila Faia” (1982), produzida pela Edipim. Seguiram-se as novelas “Origens” (1983), “Chuva na Areia” (1985), “Palavras Cruzadas” (1987), “Passerelle” (1988), “Cinzas” (1992), “Telhados de Vidro” (1993). A grande diferença entre as telenovelas brasileiras e portuguesas reside nos vinte anos de experiência das primeiras. Com as televisões privadas desenvolve-se a indústria da telenovela portuguesa em termos de produção e qualidade.

O facto dos custos de produção serem elevados condicionam a opção das televisões pela ficção, em alternativa, verifica-se a transmissão de programas já emitidos - reposições.

Nos primeiros cinco anos de televisão privada a “guerra de audiências” acontecia entre a estação pública RTP1 e a estação privada SIC agora, a conquista de audiências é entre os operadores privados, SIC e TVI e com o mesmo género televisivo: “(…) a telenovela é o género que tem vindo a obter as mais altas audiências ao longo dos últimos anos. Aliás, desde que há telenovelas na televisão portuguesa que assim sucede. Essa não podia deixar de ser, portanto, a resposta das audiências à oferta televisiva na fase da concorrência. Daí, também, que a telenovela seja hoje um género decisivo, incontornável, na luta pelo primeiro lugar dos "top's" a nível nacional.”

* Socióloga. Mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação, ISCTE

Artigo de João Lopes publicado na revista do Jornal Expresso do dia 24 de Maio de 1997.
FALCÃO, Manuel, “ Lá se vai produzindo…” in Newsletter OBERCOM, Fevereiro de 2001.
CÁDIMA, Francisco Rui, O Fenómeno televisivo, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, pág.33.