As curvas do comércio da Rua Direita

 

Chama-se Rua do Comércio, ou Rua Direita, como muitos portalegrenses a reconhecem, e foi um dos expoentes máximos do comércio tradicional da cidade. Ao cimo da rua, perto do conhecido Café Alentejano, encontra-se a Papelaria Tavares, casa com mais de 100 anos de existência e 42 nas mãos de Maria Teresa Tavares que, apesar da longa experiencia, tem intenção de fechar o estabelecimento ainda este ano. “Vou encerrar portas porque quero viver a minha vida. É óbvio que a crise também afeta, mas principalmente quero aproveitar os últimos anos da minha vida, não só para viajar como para fazer voluntariado”.

Quem entra na papelaria encontra um ambiente rústico, cheia de livros, postais, lembranças e do cheiro característico dos estabelecimentos antigos, onde passaram vidas, muitas vidas. “Ajudámos muitos alunos a encadernar trabalhos feitos à mão, a metê-los bonitos, ficavam lindos!”.

Na Papelaria Tavares a tecnologia não ajudou, mas não é o único caso.

Ao descer a rua, no número 54, encontramos o Estúdio Betine, de portas abertas desde 1991, mas que, segundo Avelina do Carmo, proprietária do estabelecimento, é cada vez mais “um negócio em decréscimo”. Em 2012 fecharam cerca de 743 lojas de fotografia e, para Avelina do Carmo, este é “o caminho duro que todas as lojas do ramo vão sofrer”.

A culpa é mais uma vez atribuída à tecnologia, mas não só. “Desde que nos tiraram o Bilhete de Identidade perdemos cerca de 70% dos clientes. O mesmo acontece com casamentos, qualquer pessoa hoje em dia tira fotografias e imprime-as através do computador”, afirma a proprietária do estúdio há 22 anos, mas com maior experiência no ramo da fotografia, ofício que “já foi arte, continua a ser, mas existe muita réplica no meio do que é verdadeiramente original”.

Os resistentes

Ao percorrer a Rua do Comércio, para além das lojas fechadas ou em trespasse, é possível encontrar aqueles que se autodenominam como “os resistentes”. Aqueles que continuam a combater a crise e a fechar os olhos às adversidades.

Continuando a descer a rua, por debaixo do Estúdio Betine, encontra-se a Casa Majó, com 24 anos de existência e um futuro promissor. “Não pretendemos fechar, a Casa Majó existe em conjunto com a marca Sabores do Alto, uma marca em crescimento e expansão”. Relativamente à crise, Fernando Sardinha, o proprietário, afirma sem preocupação, enquanto atende um cliente, que “é possível senti-la, mas ainda assim, tanto os políticos como os meios de comunicação, contribuem para o seu aumento. As pessoas sentem-se desanimadas, mas é preciso trabalhar, especialmente em alturas como esta”.

Continuamos a viagem pela Rua Direita e pelos produtos regionais onde encontramos a Mercearia Frutos da Terra que, à semelhança da Casa Majó, se dedica ao comércio de produtos regionais de Portalegre, entre os quais se encontram os enchidos, os bons vinhos alentejanos e os tradicionais rebuçados de ovo. A loja está aberta desde dezembro do ano passado e vem para ficar. Por aqui pensa-se que estas são “as melhores alturas para arriscar”.

Entre a crise e os sonhos

Ao voltar ao ponto de partida, na Papelaria Tavares, consegue perceber-se que apesar da crise ainda se vivem sonhos. Maria Teresa Tavares ainda tem o desejo de fazer do seu estabelecimento uma referência para a cidade - “Se eu ganhasse o euromilhões fazia obras e transformava este espaço numa livraria e papelaria com casa de chá. O público de classe média-alta tem poucos locais em Portalegre e este seria o espaço perfeito. Aproveitaria também o Hotel D. João III, que está fechado, e faria um lar de idosos com condições como deve ser”. Para a crise há quem diga que a culpa é dos chineses e que estes “vieram para prejudicar todo o comércio tradicional”.

Entre a crise e os sonhos existem os resistentes e os desistentes, os que procuram uma vida melhor ou um novo recomeço, numa rua que deixa de ser de comércio e com cada vez mais portas fechadas. Para alguns, resta a esperança e como diz o ditado: “cada vez que se fecha uma porta, abre-se uma janela”.