“Passei todos os meus conhecimentos, seria uma injustiça se não o fizesse"

Judite Cardoso começou a trabalhar na doçaria conventual aos dezasseis anos. A arte e o saber, herança da sua mãe remontam ao tempo em que a amêndoa ainda era esmagada num piso de mármore. Apesar de ter deixado de trabalhar há cerca de um ano e meio, resolveu agora passar o “saber” e o “sabor” dos doces conventuais de Stª Clara. Uma experiência muito boa é o balanço que faz de três meses de curso.

E.JD: Como é que surgiu a ideia de fazer este curso?
J.C:Há cerca de quatro anos que a Região de Turismo me tem vindo a incentivar para fazer este curso de formação de doçaria conventual. Em Abril decidi que tinha chegado a altura de passar o testemunho, porque este é um trabalho que cansa muito, fiquei muitas noites sem dormir e já que não tenho ninguém na família que queira seguir este trabalho teria de passá-lo a outras pessoas.

E.JD: Que balanço faz destes três meses de formação?
J.C: Foi uma experiência muito boa. Participaram 14 senhoras, a mais nova tinha 20 anos e a mais velha 68 e todas elas já tinham algum contacto com este ramo da doçaria. Trabalhamos durante três meses, cerca de três horas por dia. Eu também aprendi muito pois nunca tinha trabalhado em conjunto e isso foi muito enriquecedor.

E.JD: Quantas doces é que ensinou a confeccionar?
J.C: Ensinei todas as receitas que tinha que são doze e que dizem respeito apenas à doçaria do convento de Stª Clara, pois existem mais receitas que eu não tenho e que dizem respeito aos restantes seis conventos de Portalegre. Das receitas faziam parte o “Manjar Branco”, “Presunto”, “Lampreia”, “Leite Serafim”, “Queijo dourado”, “Pasteis de Stª Clara”, “Toucinho do Céu”, “Conforto”, “Mimos”, “Fartes”, “Miniaturas de Amêndoa” e “Boleima”, sendo a grande maioria à base de amêndoa e chila.

E.JD: De todos existe algum doce que se destaque?
J.C:em dúvida a Lampreia. Faz-se muita lampreia no país, mas nenhuma igual à de Portalegre e dá-me mais prazer porque sei que não há outro doce igual. O nosso fica tal e qual com a cor e o aspecto de uma lampreia.

E.JD: Guardou algum segredo para si?
JC: Não, passei todos os meus conhecimentos, seria uma injustiça se o não fizesse. Inclusivamente ensinei alguns truques para que quando as coisas correm mal seja possível dar a volta por cima. Apesar da experiência as coisas não são sempre perfeitas.

E.JD: Porque é que decidiu vender as receitas à Região de Turismo?
J.C: Porque quando eu morrer não me adianta de nada levar essas receitas comigo, seria uma injustiça muito grande não transmitir o meu saber às pessoas, para além de correr o risco de o deixar morrer.

E.JD: Quanto valeram esses segredos?
J.C: Não gosto muito de falar sobre isso, mas posso dizer-lhe que o valor de cada receita situa-se na entre os 1500 e 2500 euros.

E.JD: Qual vai ser o destino dessas receitas?
J.C: Está tudo preparado para que no final do ano, em Setembro seja editado um livro com as receitas e o modo correcto de as confeccionar. Sei também que os doces vão ser certificados como “Doces conventuais de Portalegre” o que já é uma garantia de permanência da qualidade.