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“Ser livre não chega quando estamos sós”

Veio da China fugido de uma ditadura. Chegou em 2015 a Portugal e, desde então, tem lutado por uma vida melhor e mais livre, sempre crente na sua religião.


Frank Zhang está em Portugal há cinco anos e, desde que chegou, tem recebido o apoio de várias organizações que o vão ajudando no seu percurso. Depois de ter abandonado o seu país e ter chegado a Lisboa acabou por se mudar para a cidade de Portalegre.

Arranjou trabalho numa fábrica e, com a pandemia, acabou por ser despedido, assim, tornou-se mais uma vítima, indireta, da Covid-19.

Tem 36 anos, nasceu e cresceu em Tai Yuan, uma cidade perto de Pequim na República Popular da China (RPC) de onde fugiu porque foi perseguido, preso e torturado por ser cristão.

A igreja e a opressão do Estado

Devido ao estado de emergência, o JConline conheceu-o através de uma chamada via Messenger. Do outro lado, encontrámos um homem com uma história de vida marcante e com algum receio de não ser compreendido porque ainda não domina muito bem a língua portuguesa.

Questionámo-lo se queria que o entrevistássemos em inglês ao qual nos respondeu, de uma maneira muito prática: “Não vai ser preciso, eu tenho de treinar o meu português”, esboçando um sorriso nervoso.

Falou-nos de como o regime comunista era opressor e violento contando o episódio de 4 de junho de 1989 o “Massacre da Praça da Paz Celestial”. Esta data foi marcada por uma manifestação estudantil onde reivindicavam vários direitos como o voto, a democracia e, principalmente, o fim do regime comunista.

No entanto, não foi isso que aconteceu, o Governo Chinês deu ordem para acabarem com os protestos utilizando a força militar. Assim, aquilo que era uma manifestação pacifica acabou num massacre que ainda hoje é recordado.

Disse que praticava a sua fé em casa, e não podiam estar lá muitas pessoas porque, se os vizinhos vissem que havia um grande entrar e sair de pessoas, chamavam a polícia e eram todos presos.

Falou da forma como o regime comunista controlava a igreja e comentou, regularmente, a falta de liberdade e os cuidados que tinham de ser tomados para que não fossem apanhados a cometer ilegalidades.

“Nós somos uma igreja de casa, a outra igreja é comunista não pode falar com liberdade sobre o evangelho e sobre a bíblia porque o governo precisa de censurar, precisa de proibir muitas coisas, mas nós que somos a igreja de casa não acreditamos nisso, mas é preciso muito cuidado.”

No ano de 2008, foi levado para a prisão de Meng Fen onde esteve 15 dias, acabou por sair com a ajuda da sua igreja e em 2012 é novamente preso, mas desta vez em Qing Shui durante um mês e só saiu porque a família pagou a fiança no valor de 20 mil yune, caso contrário, iria ficar preso durante três anos pelos seus antecedentes criminais.

“O Governo comunista para nós não é justo. Nós não fazemos nada de mal, não cometemos crimes. Eu só queria passar a palavra do evangelho, sobre Jesus e sobre Deus e acabei por ser preso por causa disso.”

Durante a segunda vez em que esteve preso foi interrogado e torturado pelas autoridades, de forma a denunciar os seus “irmãos” e entregar todas as informações sobre a sua igreja.

Depois de ter conseguido sair, com a ajuda da sua família, Frank coloca a hipótese de fugir da China e de levar a sua mãe consigo, por serem ambos crentes, no entanto, não foi possível porque o dinheiro não chegava para os dois. Então, com a ajuda da sua igreja, Frank Zhang compra um bilhete de avião para a Turquia e depois para Portugal, entrando no nosso país com o visto de viajante.

Confessou-nos que a sua saída foi difícil porque nunca imaginou que teria de abandonar o seu país de origem deixando a sua vida toda para trás. “Quando estava na China eu nunca pensei ter de sair do meu país porque lá tinha tudo família, igreja e trabalho”. No momento da partida disse-nos que sentiu um medo constante de não conseguir passar pelas autoridades no aeroporto de Xangai.

Quando embarcou para a Turquia, deixou para trás a sua mãe, que ainda hoje não sabe onde está, deixou amigos que ficaram presos e muitos acabaram por morrer nas mãos das autoridades chinesas.

A despedida

“Portugal, para mim é mais liberdade”

É em 2015 que pisa solo nacional, na bagagem trazia a vontade de começar uma vida mais livre e o sonho de um dia poder voltar para uma China diferente.

Veio para Portugal porque achava que por ser um país católico as pessoas iriam estar mais conectadas com a religião, mas não é o caso. Frank admite que as pessoas são muito distanciadas de Deus e que raramente falam da religião.

Viveu durante um ano em Lisboa onde foi acompanhado pelo Conselho Português para os Refugiados (CPR). Esta associação ajudou-o na sua integração dando aulas de língua portuguesa, na obtenção do visto, na alimentação e com dinheiro.

Trabalhou durante dois meses numa loja do chinês e, apesar de estar numa sociedade democrática e livre, diz que ainda sente medo de falar sobre certos assuntos, principalmente, de discutir política e o regime comunista.

Chega a Portalegre em 2016 através da CPR e, trabalhou na Hutchinson durante dois anos, de onde acabou por ser despedido devido à pandemia da Covid-19. Ao longo da entrevista contou-nos que gostava do que fazia, do ambiente de trabalho e dos colegas e quando a situação acalmasse ia tentar voltar à fábrica.

Ao longo do seu percurso pela cidade, tem sido acompanhado pela Segurança Social, pela sua igreja e pela Cáritas de Portalegre que o ajudam com a alimentação, com as burocracias e apoios monetários. Mesmo vivendo cá há quatro anos, ainda continua a habituar-se à cultura e à língua e sente algumas dificuldades em comunicar o que por vezes se torna uma barreira para conseguir relacionar-se com as pessoas.

A chegada a Portalegre

Apesar de tudo o que passou, foi notória a vontade que tem de viver, contou-nos, já num tom meio descontraído, que tem como hobbie a fotografia, adora o Sporting, mas nada se compara à comida chinesa a não ser os doces portalegrenses.

Teve um percurso difícil, mas foi fazendo amigos ao longo do tempo, no entanto, não esconde que tem saudades de casa, da família, do país e dos seus “irmãos”.

Apesar de agora ser livre sente-se muitas vezes só e o seu maior desejo é regressar para junto dos seus entes mais queridos e para uma China mais democrática.

Autoria: Maria Bôto e Raquel Marvão

Ilustração: Laura Pires