Marvão: A vila que nasceu no alto dum rochedo

(…) O visitante pode pôr pé em terra e assistir ao seu triunfo (…). De Marvão vê-se a terra toda (…). Compreende-se que neste lugar do alto da torre de menagem do castelo de Marvão, o viajante murmure respeitosamente: “Que grande é o mundo”.

José Saramago, Viagem a Portugal (1961)

No alto dum rochedo, quase tocando o céu, protegido pelas muralhas, está Marvão. Vila singular, cheia de história e de estórias das pessoas que por ali passaram.

Quem a olha, assim imponente no alto da Serra do Sapoio, fica com a sensação de não conseguir alcançá-la. À medida que se sobe, as casas das terras abaixo vão ficando pequeninas e as aldeias formam pequenos amontoados, perdidos aqui e ali no meio duma imensa mancha verde.

Marvão encanta as pessoas, transporta-as em direcção a tempos antigos, e deixa-as imaginando as histórias encantadas que aquele sítio esconde.

O local estratégico em que está situado fez dele uma muralha defensiva vital para Portugal aquando das guerras de reconquista do território.

Segundo Domingos Bucho, coordenador da comissão técnico-científica da Candidatura de Marvão a Património Mundial “o documento mais antigo que é conhecido é uma referência que vem numa crónica árabe do século X e que reporta a um acontecimento do século IX. Diz essa crónica que um peninsular islamizado, muladi, da nobreza de Mérida, que era rebelde ao Emir de Córdova e que desejava tornar esta região independente no último quartel do século IX, se refugiava ali quando era perseguido. Chamava-se àquele sítio Fortaleza de Ibn Maruán, e foi esta palavra que deu o pró-Latim Marwa, e por isso é a primeira referência que temos histórica e documental sobre Marvão”.

Não se sabe ao certo a data da sua conquista, sabe-se apenas que foi tomada entre 1160 e 1164 pelos cristãos e que recebeu a Carta de Foral em 1226 pela mão de D. Sancho II. Durante a Época Medieval, já depois da expulsão definitiva dos mouros do Algarve, em 1249, Marvão tornou-se uma importante porta de entrada para exércitos invasores.

Por estar situado num lugar estratégico, no alto dum rochedo, era o local ideal para proteger a frágil fronteira com Leão e Castela.

Assim localizado num sítio desabrigado, ermo e sem terra para amanhar, o seu povoamento foi bastante difícil, tal como Domingos Bucho explica: “Marvão, como outras localidades em Portugal, difíceis de colonizar, foram-no através do estabelecimento de coutos de homiziados, quer dizer indivíduos que em vez de cumprirem a sua pena na prisão dentro duma cadeia, podiam fazê-lo estando em Marvão, era uma forma de povoar estas zonas do interior.”

O crescimento urbano acompanhou o crescimento demográfico que teve a sua expressão máxima no século XVI. Depois desta altura as sucessivas guerras “vieram fazer com que Marvão se despovoasse, fosse perdendo habitantes e, portanto chega aos nossos dias apenas com 185 habitantes dentro das muralhas” afirma Domingos Bucho, dizendo orgulhosamente que apesar de poucos habitantes a vila de Marvão tem muitos mais habitantes que outras vilas intramuros portuguesas, dando o exemplo de Óbidos.

Quem visita esta vila, calcetada pela mão do Homem, onde o frio, no Inverno, é uma realidade constante, não pode deixar de admirar algumas das suas construções mais eruditas, mas é o conjunto que encanta qualquer um.

“Marvão foi um castelo medieval, reabilitado à medida que o tempo passava e ao chegar aos nossos dias encontra-se num invulgar estado de conservação, sem habitação extramuros dado o grande declive e, portanto, é o seu conjunto de património vernáculo, cultural, civil e religioso o que é monumental”. Assim define Domingos Bucho.

São muitos os sítios a visitar nesta singular vila medieval de casas encostadas entre si, alojadas em ruas estreitas e sinuosas e com uma vista incrível da paisagem circundante.

Além das razões arquitectónicas e patrimoniais, a vila de Marvão tem muitas razões para ser conhecida, desde o seu artesanato até às festas e feiras do concelho. Marvão está plenamente consciente dos desafios que cada vez mais se colocam no campo cultural, em especial para um local que sobrevive especialmente do turismo, por isso a presença do público nas iniciativas levadas a cabo pelos marvanenses constitui um inestimável apoio para a continuação da organização destas festividades tradicionais.

Um roteiro

A Festa do Castanheiro e da Castanha que se realiza no segundo fim-de-semana de Novembro é uma oportunidade única para conhecer o que de melhor aquela região tem e faz, em particular os produtos relacionados com o castanheiro e a castanha.

Além desta, a Feira de Artesanato e Gastronomia na qual os marvanenses expõem o que de mais criativo há no artesanato nacional temperado por uma gastronomia difícil de igualar.

Quando confrontado com a possibilidade de dar a conhecer a vila a um forasteiro curioso, Domingos Bucho, como habitante, mostra um dos roteiros possíveis: “talvez entrasse pelas Portas de Ródão, que é a entrada hoje utilizada pelos carros. Depois subiria a Rua de Cima, veria aquelas portas medievais algumas de arte inspirada na arte muçulmana, chegava ao Largo do Terreirinho, visitava a Câmara Velha, antiga Câmara Muncipal do século XV e XVI, do período Manuelino, muito interessante, com as suas prisões, a sua casa do carcereiro, o seu Tribunal do século XVIII onde o Mouzinho da Silveira iniciou a sua carreira de Juiz de Fora, um espaço extraordinário. Visitava a Torre do Relógio, as olarias, as exposições dessa Câmara Velha. Daí partiria pela rua do Espírito Santo, visitaria a Capela do Espírito Santo, aquele largo que tem uma fonte que foi trazida para ali, Marvão nunca teve fontes porque não é possível nascer ali água. É uma fonte que é um monumento”.

Marvão é um sem fim de descobertas históricas que vale a pena conhecer, por isso Domingos Bucho continua o seu passeio: “Dali subiria a Rua do Castelo, visitaria o Museu Municipal, que está instalado na Igreja de Santa Maria, e partiria para o Castelo onde se desfruta um panorama fantástico de Espanha a Portugal. Visitaria obviamente o Museu Militar que conta a história militar de Marvão.”

Após o passeio da manhã uma pausa para almoço num dos restaurantes da vila, que têm para oferecer uma vasta variedade de pratos regionais.

Depois do almoço continuaria a sua visita da seguinte forma: “E da parte da tarde desceria a Rua das Portas de Cidade, sairia de Marvão pela Porta, que era a principal, e visitaria o Convento de Nossa Senhora da Estrela, onde está uma exposição muito interessante sobre a vida da Misericórdia e a vida daquele Convento.”

À espera da Unesco

No ano passado Marvão e uma área em redor tornaram-se candidatos a Património Mundial. À espera do resultado, que só será reconhecido na Assembleia Geral da Unesco, em 2006, provavelmente na Lituânia, os marvanenses fazem o possível para deixar a vila cada vez mais bela.

Com essa candidatura conseguiram-se aprovar projectos que caso contrário não seriam possíveis de concretizar, é o caso do projecto de enterramento de cabos de toda a natureza para limpar as ruas de Marvão, que tem como principal objectivo dar à vila um ar mais medieval.

Segundo Domingos Bucho, Marvão deve ser considerado Património Mundial “porque em comparação com outros sítios, aquilo a candidatar não é apenas a vila, é também uma área exterior que a envolve, por isso dizemos sítio, um conjunto que é formado por obras do Homem e obras da Natureza, a natureza que já lá estava e depois a obra do Homem que construiu Marvão.

Tipologicamente, comparando Marvão com outras situações ao nível peninsular, provámos cientificamente que Marvão é um caso singular, utilizando vários indicadores, vários itens de comparação: antiguidade, estado de conservação, comprimento da arquitectura militar que foi construída, entre outras, com tudo isso chegámos à conclusão que Marvão é um singular de uma fortificação, ou de uma vila fortificada deste período da reconquista até ao século XIII sobretudo e que merece ser considerado Património da Humanidade porque transparece de Marvão um conjunto de valores desse tempo, é um documento desse tempo, um documento de pedra que interessa conservar.”