Papel do governador civil faz sentido

O último Governador Civil de Portalegre analisa as funções de um cargo que o governo já disse que vai acabar

A extinção dos Governos Civis, tal como existem actualmente, deve ser analisada em duas perspectivas. Cristóvão Crespo defende que a função e as atribuições dos governadores civis devem continuar a ser desempenhadas mas a designação do cargo não faz sentido. Isto porque é unicamente representativo e que não tem qualquer função governativa. A integração nos Comissões de Coordenação das regiões é uma alternativa apontada pelo recém-empossado governador civil de Portalegre. Para o distrito, o grande projecto passa pela criação de uma rede com o Governo, autarquias locais e tecido económico, social e cultural, com o objectivo de vencer a barreira da interioridade.

JORNAL DIGITAL (JD) - Tomou posse recentemente como governador civil. Como encara o facto de poder ser o último do distrito de Portalegre?

CRISTÓVÃO CRESPO (CC) – A questão é colocada em termos de uma manifestação de vontade na perspectiva de modificar, descentralizar, desconcentrar, modernizar o Governo Civil. Quando é colocada a hipótese de extinção, não é na perspectiva de deixar mesmo de existir. É uma situação que tem de ser acautelada em termos de futuro, no sentido de assegurar que seja feita a transição das atribuições e competências inerentes à função de governador civil. Este cargo não é um fim em si mesmo; é um meio. E ao ser um meio, as coisas podem ser conjugadas por forma a que se adeqúe a capacidade de intervenção do governo civil de maneira diferente. Penso que é preciso assegurar a função que é desempenhada agora e não criar situações de vazio que, certamente, o Governo não vai querer.

JD – Concretizando-se a extinção dos Governos Civis qual seria uma boa alternativa?

CC – Está agora em questão o equacionar deste modelo. O actual Governo tem de caminhar no sentido de uma maior descentralização, de uma maior desconcentração dos serviços da Administração Pública, é nessa área que se vai, essencialmente, trabalhar.

JD – E de que forma é que esse trabalho deveria passar a ser feito?

CC – Não avançaria muito nessa área. Vai ser objecto de um debate nacional ao nível das diferenças forças políticas e, nesta altura, talvez seja prematuro estar a avançar já com uma ideia. Estamos ainda numa fase preliminar em que havemos de definir, a todos os níveis, como vamos trabalhar. A partir de Setembro é que se inicia o período em que se pode abrir o debate sobre a revisão constitucional.

JD – Concorda com a extinção dos Governos Civis ou pensa que têm razão de existir da forma como são actualmente?

CC – Isto deve ser visto em duas perspectivas. O papel do governador civil faz sentido na medida em que, sem substituir os eleitos e as outras instituições da sociedade civil, ao representar o Governo no distrito, permite ao mesmo ter a noção exacta do que ocorre no espaço territorial do Governo Civil. Por outro lado, a designação de governador civil não faz muito sentido porque é uma figura não governa nada; não é propriamente um governador, com funções executivas. Nessa perspectiva, e um pouco para retirar algumas cargas negativas que perpassam pela existência, ao longo dos tempos, da função e da figura, é importante ver a quem podem ser afectas essas competências, numa óptica de descentralização. Se, de alguma forma, as Comissões de Coordenação das regiões podem vir a substitui o cargo do governador civil. Penso que nessa perspectiva, de modernizar e adequar aos tempos de hoje as funções que lhe estão atribuídas, é algo que também faz sentido.

Distrito em rede para vencer batalha da interioridade

JD – Que pretende fazer por Portalegre, enquanto representante do Governo no distrito e dos interesses deste junto do Poder Central?

CC – O grande projecto é a articulação, o funcionamento e o aperfeiçoamento dos mecanismos numa vertente que é muito importante, que é ao nível das autarquias locais. Fazendo a ligação entre o Governo, as autarquias e o tecido económico, social e cultural. Este território deve funcionar em rede, na qual todos nos sustentamos e que nos protege, tentando, assim, inverter este ciclo do caminhar para a desertificação. Por muito boa vontade que exista penso que não é fácil inverter esta situação. Temos de encontrar uma forma de agarrar aquilo que nos possa diferenciar e fazer caminhar mais rapidamente ao encontro do desenvolvimento.

JD – E que forma pode ser essa?

CC – Podemos tentar vencer a barreira da interioridade virando-nos para o Continente, para a Espanha, e não só para o Litoral, para a parte mais desenvolvida do país. Assim estamos a acentuar as diferenças. Temos de nos virar para fora, rompendo a barreira que, ao longo do tempo, foi criada com as fronteiras. Nessa perspectiva é que nós ganhamos, nos integramos e nos aproximamos dos centros das decisões e do centro da Europa.

JD – Não será necessário sensibilizar também as autarquias locais para uma maior abertura ao exterior, ao investimento privado?
Penso que há alguns sinais positivos no distrito em municípios como Elvas, Ponte de Sôr, Alter do Chão, Fronteira. Mas ainda não tivemos, infelizmente, até agora, a afirmação forte de uma cidade, de um concelho, e penso que é isso que nos faz falta para dinamizar tudo à volta. É importante para todos haver uma situação dessas porque vai ajudar a quebrar as barreiras que têm existido.