Portalegre é o terceiro distrito do país com mais suicídios

Logo a seguir a Beja e Faro, Portalegre é o distrito do país onde ocorrem mais suicídios. Em regra trata-se de um homem, entre os 45 e os 60 anos. Vive sozinho e está desempregado. Entre os jovens, os números também são preocupantes.

Portalegre ocupa, actualmente, o terceiro lugar no Ranking Nacional de Suicidalidade, sendo o primeiro e segundo lugares ocupados por Beja e Faro.
O suicídio encontra-se entre as cinco principais causas de morte. Em Portugal, a taxa de suicidalidade ronda os 6 suicídios por 100 mil habitantes. É no sul do país que se verifica o maior número de casos, contrariamente ao norte que apresenta uma taxa de suicídio quase nula.

De acordo com Érico Alves da Silveira, director do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental (DPSM) do Hospital Dr. José Maria Grande, em Portalegre, existe uma diferença entre tentativa de suicídio e suicídio consumado. Evidencia uma desigualdade entre faixas etárias, defendendo que “o jovem tenta suicidar-se (podendo mesmo suicidar-se), enquanto que o idoso se suicida de facto. Diz-se mesmo que no idoso não existem tentativas de suicídio mas sim suicídios que falharam”.

Em Portalegre, existem casos de suicídio na adolescência, por vezes em idades muito precoces, mas as tentativas de suicídio são em número mais significativos.
Na maioria dos casos, o jovem pretende chamar a atenção ou pedir ajuda. O suicidário segue o caminho do suicídio indirecto, através do consumo de drogas pesadas ou de álcool em excesso ou ainda da sinistralidade rodoviária, por inexperiência ou por projecção da sua forma de ser. A experiência de Érico Alves permite-lhe já traçar o “perfil do suicidário de Portalegre”: indivíduo entre os 45 e os 60 anos de idade; solteiro, viúvo ou divorciado; desempregado ou reformado, a viver sozinho; com antecedentes familiares de suicídio; e com patologia física incapacitante ou antecedentes pessoais de síndromas depressivos ou de tentativas prévias anteriores de suicídio.

“Não há adolescência saudável sem uma pitada de depressão”

Ter pensamentos suicidários esporadicamente não é anormal, principalmente na fase da adolescência em que começam a surgir problemas existenciais. Érico Alves realça que “não há adolescência saudável sem uma pitada de depressão, todo o desenvolvimento normal da adolescência implica alguma crise depressiva com maior ou menor grau”.

O DPSM do Hospital de Portalegre trabalha em parceria com alguns professores de algumas escolas da cidade. A prevenção do suicídio no jovem não passa só pelo pessoal médico mas também por professores, auxiliares da educação, família, psicólogos escolares, assistentes sociais.

“Nem sempre os sinais suicidários são visíveis ou nem sempre são detectados mas a maioria dos doentes que se quer matar comunica a sua ideia, chega até a falar dos seus planos”, sustenta o clínico.

Na sua opinião e de acordo com a sua experiência, “a prevenção do suicídio é um dever de toda a gente”, uma vez que esta conduta de colocar termo à própria vida tem causas multi-dimensionais e multi-factoriais. Assim sendo, também a prevenção do suicídio deve ser multi-determinada, multi-factorial e multi-dimensional.

Quanto mais idoso, maior é o risco de suicídio

Apesar do número de suicídios entre a população idosa ter vindo a diminuir, Portalegre ainda ocupa um lugar cimeiro nesta “renúncia” à própria vida, principalmente na terceira idade. Quanto maior é a longevidade, maior é a taxa de suicidalidade. Uma das razões apontadas para esta realidade diz respeito ao facto de, a partir de uma certa idade, as pessoas terem dificuldade em metabolizar as aminas cerebrais responsáveis pelo humor. Aliado a este factor, estão muitas outras causas como o isolamento social, as baixas reformas, doenças físicas, incapacitantes ou crónicas e a desestruturação da sociedade que o acolhe.
“O idoso antecipa a própria morte para não sofrer”, revela o director do DPSM, “o idoso, viúvo, solitário, com uma doença física incapacitante que o torna dependente de outras pessoas, pode matar-se só pelo facto de não querer dar trabalho, de não ser pesado a ninguém”, acrescenta.

Homens suicidam-se mais que as mulheres

Na sociedade actual, o suicídio é mais frequente nos homens do que nas mulheres. Érico Alves elucida que “o homem se mata de facto, em razão da sua impulsividade, enquanto que a mulher quase sempre brinca com a morte”.
Contudo, por vezes, esta “brincadeira” pode ser mal calculada e provocar, realmente a morte. “A pessoa só quer suicidar-se para fugir aos problemas que tem mas, no fundo, quer viver, embora deseje morrer”, justifica o clínico.

Cerca de metade das pessoas que se tenta suicidar, volta a tentar o suicídio nos seis meses que se seguem e metade destas pode matar-se no resto das suas vidas. O comportamento humano, embora seja prevenível, em alguns aspectos, não é completamente previsível.

A depressão é o factor de risco maior do ponto de vista da suicidalidade. Érico Alves considera que uma medida excelente de prevenção do suicídio no domínio da saúde é exactamente o tratamento da depressão no doente.

O desejo de morrer que o doente sente é passageiro no seu percurso. Aquele problema que lhe parece intolerável mais tarde terá uma dimensão muito menor. A pessoa com ideias suicidas não deve isolar-se, deve sim procurar conviver, pedindo o apoio de alguém.

“Quando nós deixamos a nossa solidão fazer companhia a outro, deixamos de estar sós”, evidencia.

Só três médicos em Portalegre

O distrito de Portalegre, com cerca de 127 mil habitantes, conta apenas com três médicos psiquiátricos, estando ainda uma vaga por preencher. Existem duas organizações de apoio, no Hospital de Portalegre, destinadas à prevenção do suicídio: o projecto Fénix, que abarca toda a estratégia de prevenção deste problema, e o Projecto Lírio, especificamente direccionado para a prevenção na terceira idade.

O suicídio, se for considerado um dever de toda a comunidade, é evitável e prevenível – esta foi uma das conclusões do V Simpósio da Sociedade Portuguesa de Suicidologia, realizado em Portalegre, no passado mês. Tratou-se de um contributo para a formação aos clínicos gerais para um maior conhecimento do tratamento da prevenção.

A viver há cerca de vinte anos no Alentejo, Érico da Silveira tem vindo a mudar a sua opinião relativamente à prevenção da auto-destruição do homem: “eu achava que a prevenção era mais um dever do político do que do médico, depois passei a ver que era mais do médico do que do político. Hoje acho que estou mais amadurecido no conhecimento destas causas para supor que toda a gente é necessária e útil na prevenção”. Érico da Silveira defende que o cidadão comum pode ajudar a diminuir a taxa de suicídio se prestar atenção a alguém que não se encontra bem psicologicamente, alegando mesmo que “qualquer pessoa da sociedade pode ser salvadora de vidas”.