Portalegrenses apertam o cinto

Defice. Desemprego. Mais custo de vida. Emigrar. Deixar de fumar. IVA. Vádios. São todos iguais. Os portalgrenses olham para a actual situação do país.

“Eu tenho vergonha de morar em Portalegre e muito mais de ser português. Assim que possa, pisgo-me para Espanha”. Este foi o desabafo de um portalegrense numa manhã soalheira em que as medidas anunciadas pelo primeiro-ministro ainda estavam frescas.

Este alentejano, cheio de pressa para ir trabalhar, comprava o jornal na papelaria Macobrinde, em Portalegre. Mostrou-se descontente com o actual emprego e, sem que houvesse tempo para mais conversas, colocou o jornal debaixo do braço e “pisgou-se” num ápice. Outros clientes olharam para ele mostrando solidariedade e aprovação ao comentário feito. Ouviu-se um suspiro e nem mais uma palavra acerca do assunto.

O assunto do dia tinha ficado pelas primeiras páginas dos jornais do dia.

As medidas de Sócrates

José Sócrates anunciou novas medidas a implementar no país para combater o défice de 6,83 por cento previsto para este ano, sem contar com as contas das autarquias e regiões autónomas. Este valor corresponde a um “buraco” de 9,5 milhões de euros. O aumento da taxa do IVA de 19 para 21 por cento e do imposto sobre os produtos petrolíferos são apenas algumas das alterações que farão os portugueses apertar ainda mais o cinto. A subida da idade da reforma dos funcionários públicos de 60 para 65 anos é também um dos aspectos que tem suscitado muitos comentários.

“Eu quando vejo os estudantes todos juntos pela cidade a fazer manifestações e em festas, até tenho vontade de chorar. Digo assim: coitados, andam a estudar e a gastar dinheiro aos pais para depois não terem emprego.”, diz Fernando Bugalhão, que aos 60 anos, olha para o futuro dos estudantes com pouca esperança. Não acredita que José Sócrates venha a criar os 150 mil postos de trabalho que prometeu há poucos meses atrás. É inspector do Ministério da Saúde há 36 anos e, apesar das notícias que tem ouvido sobre a mudança da idade da reforma para os 65 anos, crê que esta alteração não o vai afectar.

“Meti os papéis para a reforma há poucos dias. Eu com 60 anos já me sinto cansado. Querem mais produção e põem os velhos lá dentro? Dêem lugar aos novos, que andam a estudar”, argumenta Fernando Bugalhão.
“Ainda não sei bem tudo o que o engenheiro Sócrates anda a fazer mas por acaso está-me a agradar”, refere o sexagenário. “Se esta ideia de só me reformar aos 65 anos me atingir, vou cortar nas eleições autárquicas e na Constituição europeia”, completa Fernando Bugalhão, opondo-se ao aumento da idade da reforma.

“Se José Sócrates estivesse na nossa situação, de certeza que não iria gostar, porque à partida quando ele diz que um GNR deve estar no activo até aos 65 anos, deve querer que a gente vá ajudar as pessoas de bengala”.
Este foi o testemunho de uma das estudantes por quem Fernando Bugalhão disse chorar. Andreia Alves está prestes a entrar no mercado de trabalho. Tem 20 anos e frequenta o Agrupamento de Instrução de Portalegre – Escola Prática da Guarda. Assume-se contra o aumento da idade da reforma uma vez que “são muitas horas em pé e temos de correr muitos riscos”.

Acrescenta ainda que “temos de ter certas medidas de segurança para connosco e para com os outros”. Andreia Alves não se tem privado de bens essenciais apesar de notar que “tudo está cada vez mais caro”.

“Há coisas que já não compro. E se como um gelado hoje, amanhã já não como. Temos de saber viver com o que temos”.

“Ninguém faz milagres e as promessas ficam por cumprir”

Joaquina Sanches, uma dona de casa que se prepara para poupar ainda mais nas despesas da família tem acompanhado com atenção as medidas do primeiro-ministro. “Todos prometem mas, em lá estando, ninguém faz milagres e depois as promessas ficam todas por cumprir”. Tem 51 anos, é casada e está reformada por invalidez. Mensalmente, 140 euros é quanto recebe. Tem dois filhos, um de 14 e outro de 20 anos, e é por eles que se preocupa com o “estado” do país.

“A gente tenta dar-lhes (aos filhos) aquilo que não teve e eles não estão habituados a saber o que é que não se pode ter. Só sabem dizer «quero» e «porque o meu colega tem eu também quero ter»”, afirma Joaquina Sanches.

“Nós vamos às compras e o dinheiro desaparece, sem sabermos como”, desabafa a dona de casa, acrescentando que “tenho de poupar cada vez mais”. Considera que “a entrada do euro veio complicar ainda mais a situação”.
Joaquina Sanches fuma desde os 17 anos. Já tentou deixar o vício várias vezes mas nenhuma foi definitiva. Agora, “vou tentar deixar de vez. Se o tabaco aumentar como tenho ouvido, não dá para suportar”. Até 2009, o preço do maço de tabaco terá um agravamento de 15% ao ano. No final da década é previsível que um maço atinja os cinco euros e cada cigarro 25 cêntimos.

O aumento dos impostos foi uma das medidas que mais surpreendeu os portalegrenses uma vez que em época de eleições o actual primeiro-ministro, na altura candidato a este cargo, havia dito que não tomaria esta decisão caso fosse o eleito.

Alberto Figueiredo considera que “foi uma medida muito drástica. As pessoas não estavam à espera e agora o aumento do custo de vida vai ser um disparate”. Apesar da surpresa, realça que “estas medidas eram necessárias” e que “tocam a todos”.

Tem 65 anos e mora em Portalegre há 34 anos. Está reformado por invalidez há 12 anos. Sempre trabalhou no Hospital de Portalegre, “fazia de tudo, desde maqueiro a porteiro”. Alberto Figueiredo está muito preocupado com a sua situação económica.

“A minha mulher tem uma reforma de 230 euros. O que é isso? Não dá para a medicação. Eu tenho meses de gastar 200 euros em medicamentos para ela e para mim”. Ao final da tarde, sentado à porta do café Alentejano, já fechado, de cabiz baixo, este reformado da função pública, deixa no ar uma dúvida: “Pode ser que o primeiro-ministro ainda consiga levar água a bom moinho”. Mas, por enquanto, - acrescenta -“os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos”.
Habituado a fazer as compras para casa, admite que os preços não param de aumentar. Alberto Figueiredo, se tivesse meio de transporte, optava pelo país vizinho. “Em Espanha ganham o dobro de nós, trabalham menos horas e a alimentação é mais barata, tudo é mais barato” – é o que ouve falar este sexagenário. “O país está de rastos2, desabafa.

Proximidade de Espanha piora a situação

Portalegre fica a pouco mais de 25 quilómetros de Espanha. Muitos portalegrenses aproveitam esta proximidade para fazer compras mais económicas. Perante tal facto, Francisco Chaparro, considera que este aspecto vai prejudicar ainda mais a situação do comércio em Portalegre. “Os espanhóis vão baixar o IVA para 15 por cento, e está tudo dito”. Não concorda com o aumento do IVA anunciado por José Sócrates. “As outras medidas poderão favorecer o país mas a do IVA não. As pessoas vão todas fazer compras a Espanha, principalmente quem está junto à fronteira, e as vendas do comércio daqui vão baixar”.

Francisco Chaparro encara as alterações do actual governo com alguma naturalidade. É electrotécnico da Portugal Telecom e “tenho o meu futuro garantido”. A sua esposa é técnica de contas. Tem uma situação económica relativamente estável uma vez que para além do seu emprego, tem também uma loja de roupa em Portalegre. Tem notado uma baixa no número de vendas, desde o final do mês de Maio.

“A mim também me calha. Aos 50 anos podia ir-me embora e vou ter de ficar. Na minha empresa saímos com 50 anos”. Com o aumento da idade da reforma, Francisco Chaparro vai ter de trabalhar mais 15 anos. Está conformado com esta decisão mas “oxalá quando eu me reformar haja dinheiro para me pagarem a reforma”.

O pai de Francisco Chaparro também era trabalhador da Portugal Telecom e reformou-se com 50 anos. “O mal foi todo esse, as pessoas reformarem-se tão cedo. Se eles saíssem aos 60 anos, eram mais os descontos e, se calhar, já havia dinheiro para as reformas e isto não estava como está”.

“Já não há mais buracos para apertar o cinto”

Nos dias de hoje, muitas pessoas optam por um segundo emprego para fazer face às despesas. Daniel Brito, de 62 anos, reformado do sector dos lanifícios, continua a trabalhar, agora como sapateiro. Quando se reformou, após 42 anos de serviço, passou a receber pouco mais de 150 euros, valor insuficiente para poder sobreviver. Concorda com as novas medidas do primeiro-ministro e confia no seu trabalho mas “acho que está mal ser sempre o pequeno o lesado”. Como solução, Daniel Brito, considera que tudo se devia processar por escalões. “Quando fossemos ao super-mercado levávamos um cartão a dizer quanto ganhávamos e mediante esse valor, pagávamos mais ou menos”, apresenta o sexagenário.
Apesar das dificuldades, Daniel Brito tem esperança no futuro. “Isto vai melhorar mas temos mesmo de apertar o cinto, só não sei como, porque já não há mais buracos por apertar. A cintura está cada vez mais elegante”.

Em 2006, se o preço do petróleo não sofrer alterações, a gasolina e o gasóleo vão aumentar cerca de dois cêntimos e meio por litro. João Almeida, taxista em Portalegre há 15 anos, está muito preocupado com o seu futuro. Num dia de muito calor, enquanto esperava os clientes que não apareciam, falou das suas dificuldades.
“As medidas deste e dos outros vão todas dar ao mesmo, nós aqui não vamos ganhar nada. Os políticos são todos ruins”. João Almeida ainda se lembra do tempo, não muito longínquo, em que “enchia o meu carro de gasóleo com três ou quatro contos. Agora 50 euros não chega para encher o depósito”.

Foi emigrante durante 17 anos na Suíça e lá tinha uma vida muito mais estável, pois não precisava de trabalhar tanto como trabalha em Portugal. “Estou desertinho de me poder escapar outra vez, porque aqui não se pode viver, não compensa trabalhar em Portugal”, desabafa o motorista de táxi, enquanto esperava pelo sustento que tardava em surgir.

“Isso é tudo uma fantochada tremenda. Estas medidas praticamente não vão afectar as pessoas. Uma coisa simples de dois pontos, o que é isso? Isso não é nada”. Esta é a opinião de Joaquim Silva, proprietário do estabelecimento Hermínio Garcia e Castro, de Portalegre. Aos 57 anos, já viu e passou por muitas coisas. Enquanto observava atentamente um jogo de futebol, na taberna Fonte, confessou que esta crise “não é de agora”. O negócio, antes de aparecerem as novas medidas de José Sócrates, já estava mal. “Não vale a pena dramatizar. Se não houver outras medidas, estas não vão afectar muito o país”.

Joaquim Silva é contra a comunicação social que, ao revelar a notícia relativa às alterações do actual governo, assusta as pessoas. “Deviam era estar caladinhos”, diz enquanto olha para o televisor que transmite um jogo da selecção.

“Deixem trabalhar o homem”

Não se quis pronunciar relativamente à actual situação do país porque ainda é cedo. “Para já as reformas estão a entrar e desde que o dinheiro não falte aos velhotes, e Deus queira que não falte, tudo bem. O que eu condeno é ver gente com tanta saúde, que podia estar a trabalhar, a roubar dinheiro ao estado com os subsídios que recebem”. Joaquim Silva admite que o problema está na “má distribuição”. Sem tirar os olhos da bola, em frente ao balcão, confessa ainda que “não sou do PS nem de partido nenhum. Sou contra os preguiçosos e os vadios”. Aproveitando uma frase já feita, termina a conversa, que atrapalha o seu momento de adepto da selecção portuguesa, dizendo “deixem trabalhar o homem”.