Mulheres que também são jornalistas. Jornalistas que também são mulheres

“Deve estar doido, as mulheres não têm cérebro para fazer jornalismo” disse Carlos Ferrão, quando lhe sugeriram Diana Andringa para colaborar na revista A Vida Mundial, na década de 60 do século passado, numa altura em que a mulher era vista como a doméstica que tomava conta da casa, do marido e dos filhos. Nos dias que correm, basta ligar a televisão, ouvir a rádio ou ler um qualquer jornal para concluir que são cada vez mais as mulheres jornalistas. “Hoje em dia, uma mulher jornalista tem tantas oportunidades como um homem jornalista”, contou-nos Teresa Marques, jornalista da Delegação de Évora da RTP.

Jorge Sousa começou a trabalhar recentemente na Rádio Elvas e é o único homem na redação. Para ele, não existem “diferenças significativas em trabalhos produzidos - quer sejam reportagens ou entrevistas - entre homens e mulheres”. No entanto, isso continua a acontecer em determinadas áreas, como por exemplo o desporto, em que os homens estão claramente em maioria.

Inês Antunes, antiga jornalista do jornal Record, diz que “na redacção [do jornal] não há muitas mulheres, no máximo 10, e depois o resto é tudo homens, cerca de 50.” O mesmo se passa na Bola TV. De acordo com Ana Carolina Sequeira, jornalista do canal, “já houve mais mulheres, o que não deixa de ser «engraçado», mas actualmente há mais homens”.

A situação pode parecer simples de explicar. Para Jorge Sousa, não será uma questão de discriminação, “mas sim, por uma questão de aptidão. Tal como as mulheres percebem mais de áreas como o lifestyle e moda, os homens percebem mais de desporto”. Foi o que aconteceu com Inês Antunes, quando chegou ao jornal Record: “Quando entrei, entrei para uma secção maioritariamente, ou melhor, completamente feminina que é “O jogo da vida” e “Fora de campo”. “O jogo da vida” é a parte social do jornal, onde aparecem as mulheres dos jogadores, e esse tipo de histórias, e era aí que trabalhava no início”.

Para Teresa Marques, “ainda há muito preconceito. Ainda há muito homem com a cabeça quadrada e que acha que a mulher não é para estar em determinados sítios. Se calhar no desporto é capaz de ser um bocadinho difícil às vezes a entrada de mulheres. No futebol vejo mulheres jornalistas mas há muito mais homens. No futebol são essencialmente homens jornalistas. As mulheres contam-se pelos dedos. Se calhar essas talvez tenham sentido algumas dificuldades em afirmar-se na área do desporto. Se calhar olham para elas e pensam ‘o que é que esta fulana percebe de futebol para estar aqui a fazer notícias de futebol?”.

Discriminação do lado de fora das redações

No caso do jornalismo desportivo, e mais concretamente no futebol, essa discriminação parece surgir do lado de fora das redacções. Cláudia Marques é jornalista do jornal Record há 12 anos e vai mais longe. “Não sei até que ponto é que o mercado iria aceitar. Não vês em nenhum jornal uma mulher a escrever uma crónica de um jogo do Benfica, Sporting ou Porto. Aliás, dos jogos da primeira liga não vês praticamente. É uma raridade. Ou da selecção nacional. Fazem parte da reportagem, podem fazer muito raramente a análise individual de jogadores, mas não vês uma mulher a fazer uma crónica de futebol, e não quer dizer que não seja capaz. Muito sinceramente não sei se isso parte dos órgãos de comunicação social, se é o que o mercado aceita. O que é certo é que há funções que não são dadas às mulheres hoje em dia, como as crónicas de futebol”.

Todos sabemos que o futebol é o desporto-rei em Portugal, e gera nos adeptos sentimentos como amor, ódio, paixão, revolta, alegria, e tristeza, incluindo, em alguns casos, o fanatismo. É célebre a frase de Bill Shankly quando referiu que “o futebol não é uma questão de vida ou de morte. É muito mais importante que isso”.  Não só porque é a modalidade que tem mais adeptos, mas também a que tem mais praticantes, com números que vão subindo ano após ano. Desde cedo é incutido nas crianças ser de determinado clube. Sejam meninos ou meninas, têm que ser “do maior”.

É este espirito de proximidade com os clubes que leva a que a empatia por determinadas cores se mantenha ao longo de toda a vida, e é esta paixão e o elevado número de adeptos que leva os jornais a apostar em notícias de futebol na primeira página, relatos na rádio e transmissões em directo na televisão. A informação desportiva tem, de facto, muita importância para os portugueses. Há sempre espaço para o desporto em jornais, noticiários em rádio e na televisão.

A informação desportiva em Portugal

 “A primeira coisa que me vem à cabeça é que poderia ser, sem dúvida, melhor”, diz Ana Carolina Sequeira, sobre a informação desportiva em Portugal. “Penso que, muitas vezes, focam-se no que vende ou no preencher páginas e não só na notícia em si. Mas, ao mesmo tempo, vemos que as pessoas gostam deste modelo. Há três jornais especificamente desportivos em Portugal e continuam a ter mercado. Isto falando em jornais. Quanto a televisões ou rádios, penso que fazem um bom trabalho no que diz respeito ao tratamento da informação desportiva. Penso que todos ganham no que toca aos comentários e comentadores desportivos. Há sempre algo a melhorar, mas isso é como em tudo”.

Apesar de um jogo de futebol ser um programa familiar, são os homens que estão em maioria. Para Inês Antunes, “desporto é o terreno dos homens. Quando escrevemos uma notícia pressupomos que quem vai ler percebe do que nós estamos a falar, e nesse sentido eu acho que escrevemos a achar que estamos a escrever para os homens. Não é consciente, mas as notícias são escritas para homens porque são eles que se interessam e percebem mais de desporto.”

Sendo então os homens os principais consumidores de jornais desportivos, por exemplo, e para evitar quebras de vendas, as mulheres simplesmente não são colocadas nessa secção.

Cláudia Marques pensa não haver discriminação, mas diz sentir “que o mercado não está muito bem preparado. Ainda há algumas reservas em relação às mulheres a escrever sobre futebol porque é a área mais importante de qualquer jornal desportivo”.

Na Bola TV, “sendo mulher ou homem, todos fazem futebol”, sublinha Ana Carolina Sequeira. No entanto, “por estar mais associado aos homens, quem nos ouve e quem nos vê, está sempre de pé atrás vendo que é uma mulher. É aquela teoria de que uma mulher bonita e toda jeitosa não percebe nada do que está a fazer ou a dizer. Acaba por ser incómodo. Temos de nos esforçar se calhar o dobro ou o triplo para provar que não somos apenas uma cara bonita. Que percebemos do que estamos a fazer e o que estamos a dizer. Mas depois sabe muito bem mostrar que sabemos. E que, sendo mulheres, somos tão ou mais competentes a nível desportivo”.

Quem nunca sentiu qualquer tipo de discriminação por ser mulher foi Joana Latino, jornalista da SIC. “Isso nunca se verificou pelo menos comigo, e não sinto sequer que isso seja um problema no acesso à profissão pelo menos na altura em que eu entrei, há cerca de 20 anos”.

Jorge Sousa acredita que “as mulheres já não são discriminadas como foram noutros tempos. Cada vez mais ocupam cargos importantes, cada vez mais os cursos universitários são maioritariamente frequentados por mulheres. No que diz respeito ao jornalismo, também acho que não exista discriminação em relação às mulheres, ainda que trabalhos relacionados com o desporto, por exemplo, continuem a ser, na sua grande maioria, produzidos por homens.”

 

As jornalistas e a vida familiar

 

Esta ligação das mulheres ao desporto acontece, em grande parte, pela prática desportiva na juventude, mas não só. Desporto é a paixão de Ana Carolina Sequeira. “Desde pequena que sou grande «consumidora» de desporto. O meu pai sempre teve uma vida muito ligada ao desporto e, desde muito nova, que em casa via e seguia qualquer tipo de modalidade. Desde pequena que também pratiquei, daí essa ligação desde muito cedo. O desporto, a nível profissional, acabou por surgiu um pouco por mero acaso mas é isto que gosto de fazer”.

No caso de Cláudia Marques, foi também o pai o responsável pelo seu gosto por desporto. “O meu pai é apaixonado pelo futebol. Comprava sempre os desportivos e passou-me a paixão”.

A família é precisamente um dos factores importantes para uma mulher jornalista, principalmente se tiver filhos. É esse o caso de Teresa Marques. Agora que tem filhos, nota mais dificuldades. Vive em Montemor-o-Novo, trabalha em Évora e o marido em Lisboa. Não tenta sequer fazer reportagens no estrangeiro, porque não tem família próxima que possa tomar conta dos filhos. “O que mais gosto no jornalismo é que não há rotinas, mas no entanto com os filhos era bom ter horário”. Segundo ela, para se ser jornalista “tem que contar com a compreensão dos companheiros”, porque “temos sempre horas para entrar, mas nunca temos horas para sair”. Além disso, destaca as notícias de última hora, como a que a obrigou a sair de casa no dia 1de Janeiro, deixando a família a almoçar sem ela no primeiro dia do ano.

O facto de ser mãe alterou também a maneira como vê as coisas. “Há reportagens em que me comovo muito e choro com mais facilidade. Principalmente se envolver crianças e violência”.

Segundo Teresa Marques, é precisamente a família que impede que haja mais mulheres em cargos de chefia. “Se calhar, essa questão da família e da disponibilidade que a profissão exige e de as mulheres ainda terem essa vertente da família. E de se aceitar melhor que um homem chegue a casa às 2 da manhã e que a mulher fique em casa com os filhos do que o contrário. Há homens que não aceitam isso tão bem e, por isso, se calhar muitas mulheres, quando vão pesar na balança os filhos, a família e a profissão, acabam por não aceitar um cargo de chefia por terem noção de que isso implicaria ficar todos os dias no jornal, ou na televisão ou na rádio até tarde.”

Joana Latino também tem noção de que “o que se mantém ainda em todo o lado é que a maioria das chefias é do sexo masculino. Quando há directoras, normalmente são co-directoras ou sub-directoras, nunca estão sozinhas no posto de chefia…ainda.”

Para a jornalista da SIC “nós [homens e mulheres] de facto não somos iguais. Não vale a pena estar a forçar quotas do que quer que seja. Também é preciso que as mulheres queiram e também é preciso que as mulheres façam o seu percurso. Se é só para fazer número, se é só para garantir que a percentagem é equitativa ou representativa do que quer que seja, assim não vais ser a pessoa mais competente na chefia, vais ter a pessoa x porque ela cumpre uma determinada quota. Eu acredito numa meritocracia”.

E dá exemplos: “ao longo da minha vida toda, se a memória não me falha, tive uma única directora e foi a Cândida Pinto, de resto eram sempre directores e atenção!, era a Cândida a meias com o José Manuel Mestre! Ela nem sequer era directora sozinha!” Já no jornal Record, apesar de as mulheres estarem em menor número, “a maioria das mulheres ocupa cargos de chefia”, como nos garantiu Inês Antunes.

O facto de haver menos mulheres a fazer a cobertura de eventos desportivos do que homens, pode acontecer por o público ainda não estar preparado para isso, mas também poderá haver falta de vontade das mulheres jornalistas para seguir esta área, por não se identificarem com o desporto.

Jorge Sousa trabalha numa redação rodeado de mulheres e afirma que “ser o único homem a trabalhar entre mulheres é algo completamente normal. Desde que haja bom espírito de equipa, que se saiba trabalhar em equipa, é indiferente que trabalhe com mulheres ou com homens.”

No fundo, seja qual for o sexo, e pegando nas palavras de Ana Carolina Sequeira, “Não interessa o género. Não interessa o tema. Interessa a competência. Interessa o profissionalismo.”