ESEPJornal 10 Anos: A Robinson que chegou a revestir os foguetões da Nasa acabou

Dez anos volvidos já não existe a histórica fábrica da Rolha, mas foi criada a Fundação Robinson. “Esta pretende manter os 7 hectares que possui e usá-los para acolher as instituições culturais da cidade desde o teatro ao rancho folclórico, manter a memória coletiva, preservar e mostrar o seu riquíssimo património arqueológico, único no mundo” adianta Diogo Júlio, administrador da Fundação e coordenador da União dos Sindicatos. Atualmente já tem a funcionar o núcleo museológico da Igreja de S. Francisco, com a colecção Sequeira.

A Robinson tinha mercado, clientes fidelíssimos, como o Japão e os EU, que chegaram a ser sócios, mas precisava duma reestruturação profunda e dispendiosa. Nas condições em que a fábrica laborava os custos de produção eram superiores a qualquer receita que conseguisse.

Havia partes do edifício que datavam do séc. XIII, chovia nas instalações, o consumo de eletricidade era incomportável e a maquinaria estava obsoleta, o que gerava um enorme desperdício. A solução só poderia passar por novas instalações, o que foi decidido pelo Conselho de Administração da altura com a concordância de todos.

Dividiu-se a Robinson em duas empresas distintas. A Sociedade Corticeira Robinson, que registava as dívidas existentes e a Robinson SA liberada de qualquer dívida, que ficava com a carteira de clientes e que mantinha a mesma estrutura. Deram-se entradas de capital e angariaram-se clientes novos.

Um acionista americano, acompanhado por uma tradutora, chegou a ter uma reunião na sede do sindicato dos corticeiros. Garantindo nessa altura, a continuidade de produção de cortiça de qualidade em Portalegre, particularmente para a construção civil (pavimentos, isolamentos e insonorizações). Os representantes, japonês e americano, foram homenageados e agraciados com medalhas, na Câmara Municipal, durante as festas da cidade. Mesmo com todos estes investidores a fábrica entra em processo de insolvência.

Nesta altura, no intuito de salvar a empresa unem-se esforços e estabelecem-se parcerias entre a Câmara (apoio financeiro), a Região de Turismo (divulgação) e o IPP (apoio científico).

 A Câmara comprou os terrenos do Largo Jardim Operário, saldou a dívida com a Segurança Social e fez protocolos com a Robinson SA, oferecendo o terreno na Zona Industrial. Recorrendo à engenharia militar fez-se a terraplanagem do espaço oferecido, com custos enormes. Foram assinados protocolos e contratos com o governo para a captação de verbas comunitárias.

Mas mesmo com todas estas sinergiase contando sempre com a colaboração dos trabalhadores da fábrica não foi possível atrair o investimento da banca e arrancar com o novo projeto.

Minimizar estragos 

Na impossibilidade de recuperar a Robinson e com o objetivo de aproveitar o “know how” de mais de cem anos de experiência e de não perder a importante carteira de clientes no mercado internacional, surge a RobcorK.

Esta empresa foi criada por um grupo de pessoas ligadas ao sector da cortiça, desde a produção à indústria e comercialização. A Câmara de Portalegre teve o papel de servir de elo de ligação entre agentes, investidores, fabricantes e produtores. Para se agruparem e constituírem em empresa, foi decisivo o facto de a Câmara adquirir as instalações à empresa multinacional Jonhson Controls, entretanto desativada.

A Câmara fez um protocolo com a Robcork em condições vantajosas, obrigando-a no entanto a laborar durante vários anos e a manter alguns postos de trabalho da antiga Robinson.

 “Foi negativo em termos pessoais para os trabalhadores e suas famílias, perderem os seus postos de trabalho, foi prejudicial em termos de dinâmica económica e social do Concelho. A Câmara lamenta profundamente este tipo de situações, a perda duma fábrica/instituição emblemática da cidade. Um símbolo, onde todos os portalegrenses se reviam e ao qual se associavam. Mas considero positivo, no final deste processo, ter-se conseguido captar uma nova empresa do sector corticeiro para Portalegre. Realço ainda os diversos projetos de requalificação urbana que a  Fundação tem em curso, que poderão ser importantes para o futuro da cidade e da região” refere António Oliveira chefe de gabinete da Câmara de Portalegre.

Suor e lágrimas nas boas recordações de um trabalhador

Manuel Milhinhos reformou-se em Outubro e é um dos mais antigos trabalhadores da Robinson. Ainda se lembra da aluna, Marisa Morais, que fez a peça há dez anos e lamenta que o desfecho tenha sido este. Recorda-se do dia em que começou a trabalhar na fábrica com apenas 14 anos de idade, como se fosse hoje. Trabalhou 43 anos na Robinson como operador de máquinas de envernizar.

É coordenador do sindicato dos Corticeiros do distrito e foi notificado para comparecer no próximo dia 5 de Julho, às 14 horas, no julgamento de insolvência da Robinson. Segundo ele, a empresa era financeira/economicamente robusta, começando a degradar-se a partir de 2006, piorando a situação em 2009. Quando a Corticeira Robinson acabou tinha 114 funcionários.

Lembra com orgulho, do bom posicionamento da empresa no mercado internacional. Destaca a qualidade do aglomerado negro, que era encomendado pela NASA para revestir os seus foguetões, para fazer face às altíssimas temperaturas a que eram expostos.

É com alguma tristeza que diz não ter sido convidado na altura, para ir para a Zona Industrial, sentimento que é compartilhado por muitos. Não recebeu qualquer indemnização ficando, diz, a empresa a dever-lhe cerca de € 19 000.

Por volta de 1976, em pleno Plano Revolucionário em Curso (PREC), quando o ordenado mínimo andava por volta dos 3 300 escudos, foi saneado da tropa, do quartel de Estremoz, por apoiar o Gonçalvismo. Regressou à fábrica com um vencimento de 7500 escudos (quatro vezes mais do que ganhava antes), com direito pela primeira vez a subsídio de Natal e de férias.

“Sinto que Portalegre está uma lástima, na Robinson tive momentos muito bons, até que começaram a surgir as dificuldades na empresa, chegando na altura a passar fome” revelou Manuel Milhinhos.

Robinson de grande empresa, a empresa agonizante

Esta empresa emblemática que se tornou um símbolo da cidade foi fundada pelo inglês George Robinson no séc. XIX. Na década de 1890 tinha cerca de 2000 trabalhadores entre portugueses e espanhóis, distribuídos por Portalegre e S. Vicente de Alcântara.

Já nessa época se percebe o carinho e a deferência dos trabalhadores e de todo povo pelos fundadores da Robinson. Como testemunha José Marques Lemos, fundador da primeira associação operária dos corticeiros. Num tributo que prestaram em 30 de Abril de1897 a George Robinson, que morreu dois anos antes.

Disse José Marques Lemos na altura: “Hoje vimos aqui cheios de tristeza, sim, porque não o podemos abraçar e falar com ele como tantas vezes o fizemos em sua vida” mais adiante no seu discurso diria ”. Ele educou de tal forma os seus operários, que, se tornou digno de todo o respeito e da maior amizade, em cada operário tinha o sr. George Robinson um servo fiel e um amigo sincero, isto meus senhores por que ele era bom, porque garantiu sempre aos seus operários a máxima liberdade de consciência”

Também o rei D Carlos, que caçava muito por estes lados, agraciou a família Robinson. Tanto pelo que faziam na região como pela ligação que estabeleciam entre Portugal e Inglaterra.

Na década de 1950, a fábrica tinha entre 700 a 800 trabalhadores, era conhecida como fábrica da Rolha, porque só fazia rolhas. A partir da década de 1970 deixou de fabricar rolhas e dedicou-se ao fabrico de aglomerado branco e negro. Conheceu um enorme sucesso, registando-se uma grande procura por parte de mercados muito fortes como o dos EU, do Japão e da Rússia.

“Durante décadas dividíamos o Alentejo em três grandes áreas, Beja como o Alentejo agrícola (capital agrícola), Évora como o Alentejo dos serviços (funcionalismo público) e Portalegre como o Alentejo industrial (capital da indústria). Com a Robinson a pontificar, trazendo cultura industrial e funcionando como aglutinadora relativamente às outras empresas. Tanto em relação às grandes, como a Fino`s Fábrica de Lanifícios, como relativamente às pequenas empresas tradicionais. Portalegre ao perder a Robinson perdeu também importância e protagonismo político, tornando-se em certos aspetos um peso para o distrito, porque lhe têm menos respeito", afirmou Diogo Júlio.