Mulheres ao serviço da GNR

São cada vez mais as mulheres que apostam numa carreira na Guarda Nacional Republicana. Querem um emprego seguro, mas acima de tudo ambicionam vencer num mundo de homens. Deixam a família e os amigos para trás, e dedicam-se de corpo e alma ao desafio das suas vidas. Até lá frequentam o Agrupamento de Instrução de Portalegre.

São doze horas e quinze minutos no Agrupamento de Instrução de Portalegre – Escola Prática da Guarda (AIP-EPG). O sol brilha, mas não chega a aquecer. O termómetro marca seis graus, a temperatura típica do mês de Dezembro na região.

Os membros do segundo pelotão falam entre si, à espera da ordem de formatura para seguir marchando até ao refeitório. É lá que se encontram as mulheres que optaram por uma carreira na Guarda Nacional Republicana.

O facto de só já ser possível entrar como praça depois de cumpridos dois anos de contrato no Exército, faz com que já estejam integradas na vida militar. Mesmo assim, há sempre novos desafios a ultrapassar.
Para ingressar num curso de formação de praças no AIP-EPG é necessário cumprir alguns requisitos. A nacionalidade portuguesa, o 9º ano completo e idade entre os 20 e 28 anos são algumas das exigências. Depois vem a parte mais difícil: a selecção.

Nesta fase os candidatos são submetidos a provas documentais, culturais, médicas, físicas e psico-técnicas. É obrigatório que os resultados sejam positivos em cada uma das provas. Este ano, a escola conta com 320 alunos, 15 são do sexo feminino.

Ao se submeterem a todo o processo de selecção para ingressar no AIP, estas mulheres têm duas coisas em comum: poder ter um emprego assegurado e vingar numa profissão maioritariamente de homens.
Tânia Vicente tem 23 anos. Estava na Marinha, mas não gostava de embarcar. Para ela, são áreas muito diferentes, mas a experiência tem sido positiva.

“O embarque é muito complicado. Havia dias que já não suportava ver água. Apesar deles aqui serem muito mais militaristas, a verdade é que estou a gostar.” Logo a seguir, olha para as camaradas e completa. “Isto faz-se bem”.

Tânia é, sem dúvida, aquela que mostra mais vivacidade. “Não é nada demais”, assegura.

De Viana do Castelo chegou Elisabete Martins. Com um ar mais sério e sem descuidar a posição, esta praça fala do apoio incondicional da família. “Estava no exército há três anos. Sempre contei com o apoio de todos. É claro que é sempre complicado ver-se uma filha de farda, mas habituaram-se.”

Às vezes é importante assegurar um lugar, mas as aspirações são muito diferentes. É o caso de Elisabete Silva. A Força Aérea foi a sua primeira opção, mas a idade estava a chegar ao limite e era preciso jogar pelo seguro. “Já tenho 26 anos. Sou das mais velhas. Não é que a idade me incomode, mas aqui é importante. A Força Aérea sempre foi uma paixão de criança. Não consegui entrar, mas concorri novamente. Se for aceite, largo isto. “

“Há sempre que fazer”

Na EPG, o dia começa com a Alvorada, às sete da manhã. É tempo de levantar da cama, vestir o uniforme e tomar o pequeno-almoço. Para a maioria, é esta a parte mais difícil do dia. “Andamos sempre em constante agitação. Há sempre que fazer. E sabe bem estar na cama até mais tarde. Ás vezes custa mesmo levantar”, diz Tânia Vicente.

Depois do Comandante passar os olhos por quem está, é hora de começar as aulas. Para Elisabete Silva, “as aulas despertam-nos para a consciência do dever público. Aprendemos em teoria aquilo que devemos colocar em prática. Para isso não há nada melhor que os casos reais que nos mostram através de fotografias.”

Depois da pausa para o almoço as aulas continuam até ás cinco da tarde. A partir dessa hora, os soldados provisórios estão dispensados para as suas tarefas, embora só lhes seja permitido sair da escola mediante autorização superior. O facto do AIP-EPG estar instalado nos Claustros do Mosteiro de S. Bernardo é uma mais-valia para os instruendos, pois podem divagar por uma verdadeira aldeia, património que é o orgulho da cidade.

A camaradagem

Apesar de ainda haver quem pense que as mulheres não servem para a farda militar, a verdade é que eles estão cada vez mais habituados a vê-las superar dificuldades. “O impacto é sempre muito grande. Passamos a nossa vida a lidar com raparigas. Depois temos que nos habituar a um mundo de homens que olham para nós como intrusas. Por enquanto ainda não tive uma má experiência, e acho que não vou ter, porque até agora temos sido bons camaradas. Mas nós somos o sexo forte”, conta Elisabete Martins.

No tratamento são todos iguais. “Elas são tão necessárias como eles. Não há qualquer distinção no tratamento”, diz João Rolo, Comandante do Grupo de Instrução.

Elisabete Silva suporta bem o exercício físico, mas tem dificuldades na corrida. “Ás vezes são eles que me incentivam”, diz sorrindo. Para estas três camaradas, o respeito é essencial para não entrarem em conflitos, e a licença para saírem é esperada com ansiedade. “Nós andamos quase sempre juntas. Respeitamos umas às outras e tentamos ser boas camaradas. É claro que às vezes não conseguimos fazer os exercícios como os homens. Mas nessas horas eles ajudam-nos a não desistir. Temos tido autorização para sair pela manhã e chegamos a ir todos juntos”, diz Tânia Vicente.

Um caso de sucesso

Já se habituou a ser tratada por soldado Gonçalves. A força do hábito faz com que muitas vezes não responda pelo seu nome próprio. Filipa Gonçalves também ingressou no AIP-EPG, e conseguiu chegar ao fim. Depois dos nove meses de curso e do estágio obrigatório, tinha que escolher entre Infantaria ou Cavalaria. O gosto que desde criança tem por cavalos falou mais alto. Já conta com dois anos de funções no 3º Esquadrão do Regimento de Cavalaria em Lisboa. “ Fiz equitação na GNR durante quatro anos. Ainda era miúda, mas já queria fazer qualquer coisa de diferente. Não me arrependi da escolha.”

Ao recordar os primeiros dias na EPG, Filipa Gonçalves não consegue esconder os maus bocados pelos quais passou. “Quando cheguei, deparei-me com o oposto daquilo que esperava. O primeiro mês foi o mais difícil, porque era instrução militar. Tínhamos semana de campo e topográficas. Até para vestir a farda havia regras. O cabelo, por exemplo, não podia tocar no colarinho. Foi a integração na vida militar. Só depois é que começámos a ter formação teórica.”

Quanto à camaradagem, a soldado Gonçalves desmistifica a ideia de que só as mulheres é que são companheiras. “Eles sempre foram bons camaradas. Entre as mulheres notava-se mais individualismo, pois todas queriam ser a melhor. Os homens ajudavam-nos fisicamente, mas também havia alguns que precisavam de ajuda.”

Com 21 anos, Filipa Gonçalves é a mais nova no quartel onde trabalha com mais quatro mulheres. Tem como funções colaborar na manutenção da segurança e ordem pública, auxiliar e proteger os cidadãos, executar serviços de guarnição e de segurança, colaborar na prestação de Honras de Estado e na execução da política de defesa nacional. Mas, montada a cavalo, a soldado Gonçalves privilegia o contacto com a população e o facto de se sentir útil no lugar onde sempre quis estar, como essenciais para subir na carreira.