Celestino Botelho: o homem da cortiça e das teorias

Portugal mantém a liderança no que diz respeito à produção de cortiça. Só em 2014 registou-se um aumento de 1,5% das exportações face a 2013, segundo dados lançados pelo INE. Apesar dos resultados positivos, Celestino Botelho, que trabalha com a cortiça desde os seus 49 anos de idade, vê o trabalho do artesão da cortiça extinguir-se aos poucos: “Cheguei a ter 104 estabelecimentos onde vendia e depois, para eu já não ter que sair daqui, vieram 2 viajantes. Hoje não tenho nenhum estabelecimento e já não tenho os viajantes. Vieram aqui despedir-se de mim mas, quer dizer, quando se faz uma viagem é para ganhar.”

Celestino trabalha a cortiça como ninguém. Começou no meio quando foi despedido da Fábrica Robinson, onde já tinha tido contacto com a cortiça: “Fui despedido naquela altura mas, como tinha 3 meninos pequeninos, alguma coisa tinha de fazer” e acrescenta: “Quando fui para a fábrica já pegava em pedaços de cortiça e já começava a mexer, a cortar, a fazer e daí nasceu o dom de fazer coisas de cortiça. Porque o trabalho era pouco e eu, como tinha aquele dom, dediquei-me ao artesanato e desde essa altura, até hoje, ainda não parei.”

O sobreiro

Não é só a cortiça que ganha destaque no mundo. O sobreiro, a árvore responsável pela produção de cortiça é para muitos o património do país. Mas não só, também gentes de fora defendem a árvore. No ano passado, na Austrália, os moradores de Norwood revoltaram-se contra o abate de um sobreiro centenário português para a construção de um parque de estacionamento. Celestino recorda a importância que tinham os sobreiros antigamente: “Era raro o souto onde nascesse o sobreiro, que não tinha 200 ou 300 porcos. Os porcos não só comiam as bolotas que caiam como, ao mesmo tempo, deixavam o estrume no sítio. Esse estrume alimentava o sobreiro. A cortiça era muito melhor tendo lá o estume dos porcos. Hoje, já não se vê isso porque os lavradores não criam os porcos dessa forma.”

Embora haja cada vez mais cortiça a ser exportada, Celestino comenta: “Quem ganha é o dono da fábrica que a comercializa e não o artesão que, por outro lado, a compra cada vez mais cara e por sua vez é obrigado a vende-la também mais cara.” Quando questionado sobre o mercado da cortiça Celestino afirma: “O 25 de abril foi outro duro golpe para este artigo, durante 2 anos e meio não fui capaz de vender nada. Estava bem na vida e o 25 de abril veio trazer-me uma derrota total. Hoje, uma vez que a fábrica da Robinson já fechou, se quero cortiça tenho de ir à Corticeira Amorim.”  

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Estória de vida

Fascinando pela arte num sentido amplo, desde o fado à cortiça, Celestino, acompanhado da esposa Joaquina, confessa em jeito de brincadeira: “ Eu também gosto de cantar fado. O fado Hilário. Mas agora já não tenho voz. Mas quando vinham os concursos ao campo de futebol, em que os artistas iam lá cantar, participei num concurso em que ganhei só porque a minha pequena esperteza deu para isso. Cantei a música do fado Hilário mas com outra letra. A letra da Pobre Mãe Coitada. A frase era tão gira que nós só parávamos de cantar quando o público batia palmas. Então imagine com a voz que tinha, a cantar o fado Hilário. Sempre a cantar a mesma coisa. Só bateram as palmas ao fim de 4 minutos e aí é que me calei. Estiveram 4 min a ouvir a mesma coisa.” No entanto Joaquina acrescenta: “ Mas ganhaste aquele serviço de chá muito bonito.” 

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