“A crise não afectou o turismo no Alentejo”

António Ceia da Silva, Presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo
António Ceia da Silva, Presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo

O Turismo é uma das principais actividades económicas do nosso país. A forma como a crise que se faz sentir afecta esta actividade, principalmente no Alentejo, quais as soluções e projectos para o futuro, são os temas da entrevista ao Presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo (ERTA).  António Ceia da Silva chegou à hora marcada. Sorridente e prestável falou da sua paixão pelo turismo e pelo “seu” Alentejo. Recebeu-nos na sua sala de trabalho, onde se respira Alentejo por todos os cantos.

PERFIL

António José Ceia da Silva nasceu a 11 de Abrilde 1963 no distrito de Portalegre. Frequentou o curso de direito, mas foi o turismo que o apaixonou, trabalhando na área à 25 anos.

Foi deputado do PS e em 2008 tornou-se presidente da Entidade Regional do Turismo do Alentejo (ERTA).

O seu filme preferido é “A casa dos espíritos”, o livro é “o meu Alentejo” de Cristina Altram e a sua viagem é ao Alentejo.

Como Hobbys gosta de ler, ver filmes românticos e ver jogos de futebol.

Gosta de cozinhar e estar ligado a redes sociais.

 

ESEPJORNAL – O que levou um homem ligado ao Direito a interessar-se por turismo, e mais concretamente pelo turismo no Alentejo?

António Ceia da Silva - Eu diria que o turismo é a minha vida. Há mais de 30 anos que me dedico a este sector. Sempre gostei de questões sociais, por isso o meu percurso de vida sempre foi dirigido nesse sentido, mesmo em termos de escolhas académicas, já que estudei direito.

Entretanto foi-me feito o convite para trabalhar na Região de Turismo de São Mamede, uma das primeiras do país, e foi com muito interesse que abracei esta causa, e diria que me apaixonei, que o turismo é o romance da minha vida. Outra coisa que me seduz é o facto de o turismo ser uma actividade económica e de ser necessário compreender a evolução dos mercados. Todos os dias é diferente trabalhar nesta área, porque todos os dias o turismo tem novas perspectivas, e isso torna-se viciante e apaixonante.

P.- Porquê tirar o curso de Turismo na Escola Superior de Educação de Portalegre (ESEP)? Para si só fazia sentido tirar este curso no Alentejo?

R.- Atendendo ao meu percurso profissional, necessitava de ter um curso na área do turismo, mas tinha uma limitação: tinha de ser no Alentejo. A minha vida é muito agitada e não me permitia estudar fora desta região. Ainda estive na dúvida entre Portalegre e Évora, mas o facto de viver nesta cidade foi decisivo. Já tinha tido a experiência de ser trabalhador estudante em Coimbra e em Lisboa, e percebi que a proximidade geográfica, neste momento da minha vida é crucial.

Tem sido uma experiência muito interessante estudar com jovens com menos de 30 anos, e sinto que a minha experiência profissional pode valorizar o curso em relação aos alunos, porque sei o que é necessário para o curso ser mais prático de forma a ensinar os alunos sobre o que o mercado precisa.

 “Nos últimos 2 anos o Alentejo registou

os seus melhores anos turísticos de sempre”

P.- Quais são os seus principais projectos para o turismo no Alentejo?

R.- Nós queremos criar um planeamento estratégico para o sector, através do Plano Operacional do Turismo do Alentejo (POTA), porque entendemos que tem de haver uma linha a seguir, para combater esta crise internacional.

Este ano lançámos uma campanha para turismo sénior, porque devido aos cortes salariais, verificámos que é necessário adaptar a estratégia promocional da região ao público que pode viajar e fazer turismo.

O segundo projecto tem a ver com a identidade, nesse sentido avançámos com a candidatura do montado a património da humanidade, porque os turistas procuram destinos com carácter, força e com uma identidade muito forte. A geração que hoje chamam de “à rasca”, vai ser aquela que vai exigir daqui a uns anos a qualidade que merece, e por isso é importante que preparemos os destinos para os receber.

Em terceiro lugar está a reengenharia dos serviços turísticos, avançámos com a candidatura de “Alentejo, bom gosto”, na área da gastronomia, que pretende efectuar um conjunto de alterações deste produto e torná-lo fruível pelos turistas, que passa pela certificação dos restaurantes, a elaboração de uma carta gastronómica do Alentejo e a criação de pacotes turísticos de visita às herdades, queijarias etc.

Relacionado com o património, temos um projecto que se chama “Alentejo: património do tempo”, cujo objectivo é aumentar o número de visitas aos patrimónios criando parecerias público-privadas com jovens que criem as suas empresas, para fazer a gestão e a abertura dos monumentos que hoje estão encerrados ao público, que passará pela alteração dos horários de abertura e fecho desses monumentos.

Na área da promoção apostámos numa nova linha de comunicação, e tem havido uma promoção muito grande dos nossos serviços. 

Todas estas campanhas são frutos, visto que nos últimos 2 anos o Alentejo registou os seus melhores anos turísticos, desde sempre, e o sector do turismo foi o que mais evoluiu nesta região.

P.- Desde que se tornou presidente da Entidade Regional do Turismo do Alentejo (ERTA) sente que a procura tem aumentado?

R.- Sem dúvida que sim, os números falam por si. Desde à 2 anos e 3 meses que os números tem aumentado consecutivamente. 2009 e 2010 foram os melhores anos turísticos, apesar da crise económica. E isto verifica-se porque temos trabalhado muito em rede, com os empresários do turismo, com as autarquias e com os operadores.

A nossa actividade é permanente, contínua e directa, e felizmente temos a recompensa do nosso trabalho.

P.- A ERTA organizou recentemente o Congresso Internacional Alentejo: Heritage of  time . Que conclusões pode tirar dele?

R.- Tirei duas conclusões, que me parecem ser as mais importantes.

A primeira foi a verificação da clara necessidade de criar uma associação que envolva a ERTA e as entidades proprietárias de bens patrimoniais, que são as dioceses, paróquias, câmaras municipais, a direcção nacional de cultura, o IGESPAR , as misericórdias, entre muitas outras, que em Portugal tem património, afim de lutar pela conservação do mesmo, e a abertura destes bens ao público.

A segunda é a necessidade de entregar a gestão destes espaços públicos a entidades privadas, que na minha opinião devem ser pequenas empresas. Existem jovens que terminaram as suas licenciaturas e estão disponíveis para criar empresas de animação turística e estão também disponíveis para receber um turista num castelo, num museu ou outro qualquer monumento, sem estarem dependentes de outros. Isto também faz com que se sintam mais motivados e tenhamos um serviço de melhor qualidade 

 

“Somos um destino com pouca afirmação internacional”

  

P.- Quais são as maiores dificuldades que o Alentejo enfrenta a nível turístico?

R.- É sem dúvida o facto de sermos um destino com pouca afirmação internacional. Se por um lado, em Portugal temos uma imagem muito consolidada e estruturada, no estrangeiro tal não acontece, ainda não somos um destino reconhecido.

A solução passa por uma promoção turística integrada, ou seja, os destinos turísticos podem entrar em determinados mercados por outros sectores que não só o turismo. É hoje em dia muito fácil ao Alentejo entrar através do vinho no Brasil, por exemplo. O turismo deve ser associado a estes produtos e deve marcar uma presença forte em termos de promoção do destino.

Não pode haver promoção dos vários produtos de forma isolada. As regiões e o próprio país tem de ser promovidos de forma integrada, juntando todos os sectores empresariais.

P.- Sente que a Entidade Regional do Turismo do Alentejo (ERTA) tem o reconhecimento devido?

R.- O principal reconhecimento que queremos ter é connosco próprios. Sentimo-nos bem com o trabalho realizado, e só no ano passado recebi 5 medalhas, das quais a medalha de ouro de mérito turístico atribuída pelo governo. Sinto portanto que tivemos algum reconhecimento, mas como se costuma dizer “santos da casa não fazem milagres”, e por isso, por vezes sinto que somos reconhecidos no estrangeiro e não o somos “em casa”. Porém os nossos empresários admiram bastante o trabalho que estamos a realizar. Eu considero que o nosso trabalho está sempre inacabado, temos de trabalhar todos os dias para conseguir responder à evolução do mercado.

P.- Quem viaja mais para esta zona do país?

R.- Os portugueses, e em grande maioria. Os turistas nacionais representam 80% da quota de mercado de turistas que viajam para o Alentejo. Em seguida estão os espanhóis, brasileiros (com um aumento significativo), alemães, ingleses e franceses. Perante estes dados, ganhamos a noção que ainda há um longo caminho a percorrer para que este destino possa ganhar mais presença lá fora. Contudo, não nos podemos esquecer dos portugueses que são o nosso principal mercado.

P.- A crise afectou o turismo?

R.- Sim, em termos nacionais e internacionais. Por exemplo em 2009 assistiu-se a uma enorme queda no turismo em Portugal, porém no Alentejo isso não aconteceu, pode mesmo dizer-se que a crise não afectou o turismo nesta região.

  

“As pessoas esquecem-se que cortar no turismo

significa aumentar as despesas na saúde.”

 

 P.- Que medidas tomaram para a crise não afectar esta região?

 R.- Tivemos rápidas e imediatas intervenções, de maneira a dar resposta á evolução do mercado. Só assim conseguimos o aumento significativo de dormidas, de ocupação dos hotéis etc, portanto eu diria que nós somos uma excepção, e por isso somos olhados como um exemplo a seguir. Mas como é óbvio houve quebras, o mercado ressentiu-se. Outra coisa que também afectou foi o corte salarial das famílias, porque como é lógico quando o dinheiro diminui, o primeiro passo a dar é cortar no turismo e no lazer, porém as pessoas esquecem-se que cortar no turismo significa aumentar as despesas na saúde. As férias e o descanso também são precisos.

P.- Em que produtos e métodos apostam para contornar a crise neste sector?

R.- Sobretudo é não praticarmos uma política de “hipermercado”. A nossa preocupação tem sido somente uma: manter a excelência do destino. Não vamos baixar minimamente os patamares de exigência do produto que oferecemos, seja a nível da qualidade dos serviços que oferecemos, seja a nível da estruturação da oferta. Nunca podemos cair no erro de baixar a qualidade, o nível do que oferecemos, porque houve regiões que o fizeram, como o Algarve por exemplo, e estão a pagar caro. O que há a fazer é procurar novos nichos de mercado.

Por exemplo, temos constatado que há imensos Finlandeses que vêm para o Alentejo fazer campismo, e eventualmente, será nesse mercado que temos de apostar.

Nós conhecemos bem a realidade com que lidamos e sabemos actuar sobre ela. Sabemos por exemplo que neste momento o mercado brasileiro é fundamental, porque o turista brasileiro gasta duas vezes mais, em média, que os outros turistas, e temos de trabalhar bastante para o conquistar. É esta luta, imediata e contínua, que faz com que os desfechos não sejam negativos e que a crise não afecte os resultados do turismo.