“A arbitragem é um bode expiatório para os maus resultados”

Luis Tavares
Luis Tavares

Com uma nova época da Super Liga à porta, o árbitro Paulo Baptista e o assitente Luís Tavares, da associação de futebol de Portalegre, falam dos problemas que afectam os árbitros nacionais. A profissionalização e o aparecimento de novos valores são dois aspectos que podem melhorar a arbitragem em Portugal.

[ESEP Jornal Digital] Como é que vêem a arbitragem nacional?
[Paulo Baptista]
Como se costuma dizer e é um provérbio fixo: “Santos da casa não fazem milagres” e a arbitragem não foge à regra. Os nossos árbitros em Portugal são vistos com uma certa desconfiança mesmo pelos próprios colegas, porque quando os nossos árbitros passam a fronteira para arbitrar fora do nosso país têm sempre excelentes notas, muito elevadas, o que não se passa cá dentro. Mas penso que a arbitragem nacional está muito boa. É como em tudo, há sempre os que estão menos bem, mas penso que em termos de provas que nós possamos dar para o estrangeiro é muito boa e isso vê-se pelas actuações que os nossos árbitros têm lá fora, nomeadamente: o Lucílio Baptista, o Paulo Costa, etc. Admito que se calhar há muita coisa que tem que ser revista e talvez mudada para que as coisas possam evoluir de outra forma, até porque neste momento estamos ainda a atravessar uma fase difícil a nível nacional, tanto do futebol para o extra-futebol como o contrário e está tudo interligado, por isso vivemos momentos muito complicados. Mas no geral é uma arbitragem boa a roçar a bastante boa (risos).

[Luís Tavares] – Penso também que a arbitragem vive um momento de instabilidade. O futebol gera muitos milhões e temos que arranjar muitas vezes um bode expiatório para os maus resultados e talvez por aí se critique muito os árbitros e a arbitragem, porque é um alvo fácil de atingir, não têm massa associativa, não têm adeptos e estão um bocado “expostos”, digamos assim, porque têm que tomar as decisões. Se calhar por isso as pessoas pensem que a arbitragem não é tão boa como elas gostariam, mas eu dou o exemplo do que se passa a nível internacional: o árbitro mais bem conceituado do mundo – Pierluigi Collina – que é para todos o melhor árbitro do mundo, é um árbitro que no seu país não é muito bem visto e não tem muita aceitação, portanto o que se passa em Portugal passa-se nos outros países e penso que haverá melhores dias porque isto também está numa fase de mudança, uma nova “fornalha” de árbitros está aí, estão a dar provas de muito valor e com estes novos árbitros e estas novas mentalidades poder-se há arranjar também uma nova mentalidade para as pessoas avaliarem os árbitros e verem os árbitros de uma maneira diferente.

[EJD] O que é que pensam que deveria ser alterado na arbitragem?
[PB]
Muito sinteticamente haveria muita coisa que poderia mudar na arbitragem, mas eu vou focar 3 pontos que talvez sejam os mais essenciais: a profissionalização dos árbitros, embora eu não acredite na profissionalização em Portugal, acho que a semi-profissionalização resolveria alguns problemas, porque no futebol tudo é profissional desde dirigentes a técnicos, passando pelos jogadores e a arbitragem apesar de não o ser acaba por ser porque nós somos aqueles que infelizmente temos uma maior responsabilidade numa partida de futebol e continuamos a ser amadores. Nós temos que sacrificar a nossa vida em muita coisa, não basta nós trabalharmos e chegarmos ao fim do dia e termos que nos preparar fisicamente, depois do trabalho físico ainda temos a parte técnica, portanto somos amadores por completo, mas somos “profissionais”. Esta era uma das situações que deveria mudar, deveríamos passar, pelo menos, a semi-profissionais embora alguns árbitros do nosso país pudessem aceder já à parte profissional. Outro dos pontos é o sistema de avaliação dos árbitros jogo a jogo, aliás, penso que nos próximos dois anos isso irá ser melhorado, mas penso que o sistema de avaliação dos árbitros terá que ser revisto porque da forma como está é caricato e as coisas não podem continuar assim. O terceiro ponto é um ponto no qual eu já venho batendo há uns anos a esta parte e que tem a ver com o sistema de equipas fixas, na minha opinião as equipas deveriam funcionar com os elementos que fazem parte da equipa, como já aconteceu aqui há uns anos atrás, na minha opinião era outro dos pontos que deviam ser alterados.

[LT] Faço minhas as palavras do Paulo, acho que são 3 pontos que se deveriam alterar, mas tenho outro que é a arbitragem autónoma fora dos clubes. Porque a arbitragem, quer se queira quer não, está interligada com os clubes, pertence aos clubes, os clubes é que decidem, os clubes é que fazem os regulamentos. Eu acho que a arbitragem deveria ser autónoma, devia ser um órgão autónomo embora trabalhasse em parceria com a Liga de Clubes, mas deveria ser autónoma, ter as suas próprias leis de base, ter as suas próprias leis feitas pelos árbitros e pelos dirigentes dos árbitros e não pelos dirigentes dos clubes.

[EJD] Em relação ás situações de jogo propriamente ditas, não acham que é lastimável ocorrerem situações como no jogo V. Guimarães – Boavista, em que vocês se viram envolvidos?
[PB] Foi bastante triste assistir ao vivo, se calhar um pouco também por estar directamente ligado comigo, assistir aos incidentes que ocorreram no V. Guimarães – Boavista. Nós estranhamos bastante, o Luís está aqui e não me deixa mentir, ele sabe perfeitamente aquilo que se passou. Quando num jogo perfeitamente normal em que não aconteceu nada de especial, não houve contestação da equipa de arbitragem, se desenrolaram aqueles incidentes, porque os jogadores se lembraram de se “pegar” no final do jogo. E depois aquilo sobrou para todos aqueles que estavam dentro do terreno de jogo como é lógico. Mas pronto, são situações que são de lamentar, infelizmente não foi só no V. Guimarães – Boavista, já houve mais incidentes. Eu volto um pouco atrás e volto a dizer que isto é fruto da fase que o nosso país atravessa, estamos a atravessar uma fase muito má, as pessoas, como é lógico, também vivem os seus problemas e se calhar vão para os jogos de futebol e acabam por “libertar” todos esses problemas que vão vivendo no dia-a-dia, é aí que eles soltam o seu stress, infelizmente. As coisas não deviam ser assim mas são os momentos complicados da nossa vida e temos que nos alhear um pouco disso.

[EJD] O Luís também estava lá, como é que viveu toda esta situação?
[LT] Posso-lhe dizer que foi dos momentos mais terríveis que vivi na arbitragem até hoje, foram momentos de grande aflição porque foi uma coisa que nenhum de nós estava à espera. Como o Paulo já frisou foi um jogo normalíssimo em que a equipa de arbitragem não teve influência directa nem indirecta no resultado, não houve situações de grande polémica e no final do jogo ficamos todos estupefactos e surpreendidos com a forma como os adeptos vimaranenses actuaram com as cadeiras, com os vários objectos atirados para dentro do terreno de jogo e isso faz-nos pensar. Fez-me pensar a mim e acho que nos fez pensar a todos que estamos sujeitos a sofrer grandes problemas a nível pessoal, não só ao nível da arbitragem, estamos sujeitos a problemas muito graves, porque se alguém se lembra de saltar lá para dentro, se alguém se lembra… eu nem quero imaginar, para nem pensarmos nessas situações.

[EJD] Estou-me a recordar que o Palatsi tinha sido expulso, mas nem terá sido por esse motivo que a confusão se gerou, pois não? Foi mesmo um desentendimento no final…
[PB] Foi um desentendimento no final do jogo, sim.

[EJD] Entre um jogador do V. Guimarães e um jogador do Boavista.
[LT] Exactamente. Foi mesmo na ponta final do jogo.

[EJD] Esse terá sido provavelmente o jogo que menos lhes deu prazer arbitrar, presumo.
[PB] Sem dúvida.

[EJD] Qual foi então o jogo que lhes deu mais prazer arbitrar e qual era aquele que mais gostariam de ajuizar?
[PB] É complicado estar a dizer qual foi o jogo que me deu mais prazer arbitrar. Felizmente, enquanto os jogos me derem prazer arbitrar eu estarei cá. Antes do jogo qualquer jogo me dá prazer arbitrar, basta o simples facto de estar lá dentro e arbitrar, para mim já é bom. Não posso escolher um que me tenha dado mais prazer, poderá haver um ou outro que me tenham dado mais satisfação realizar, mas nenhum em particular. Agora, aquele que mais gostaria de arbitrar, se calhar é quase impossível, mas todos os árbitros gostariam de atingir, é ser internacional e dirigir uma final do campeonato do mundo. É lógico que qualquer árbitro gostaria de a arbitrar, apesar de ser quase impossível, tinha que ser uma coisa mesmo extraordinária. Mas qualquer jogo de primeira categoria já me dá bastante prazer de arbitrar. Apesar de já ter um currículo bem vasto, a motivação que tenho em arbitrar um jogo da Super Liga é sempre a mesma que tinha quando cheguei à primeira categoria.

[LT] Eu acho que todos os jogos são iguais, o que difere nos jogos poderá ser a classificação das equipas, as equipas e os adeptos dessas equipas que estão a assistir aos jogos. O árbitro, para ser árbitro, tem que ter um gosto extraordinário para arbitrar o jogo, tem que ter gosto em fazer aquilo e acho que em todos os jogos o árbitro tem que ter esse gosto, portanto, todos os jogos são muito parecidos e até a maneira de encarar os jogos e a preparação que nós fazemos para os jogos, tanto a fazemos para um jogo da Super Liga como para um jogo da Liga de Honra. A preparação física, mental, alimentar, a preparação é sempre a mesma, o que difere são os clubes que se vão defrontar, o estádio, os espectadores, o desenrolar do campeonato – se é no princípio, se é no meio, se é na fase final, como os jogos agora da fase final que foram de maior responsabilidade, claro que de responsabilidade são todos, mas têm um cariz diferente, têm um “cheirinho” diferente. Todos eles dão gozo apitar, do primeiro ao último todos eles deram um gozo extraordinário apitar.

[EJD] E há algum jogo que sonhe em arbitrar?
[LT] É como o Paulo diz: “acho que todos os árbitros…” e não só os árbitros, também os jogadores, se fizessem a mesma pergunta a um jogador: qual era o jogo em que ele gostaria de participar, ele dir-lhe-ia que era a final do campeonato do mundo e o árbitro também gostaria de arbitrar a final de um campeonato do mundo porque isso sim, acho que é o expoente máximo do futebol e acho que isso daria um gozo extraordinário.

[EJD] Qual foi o momento mais hilariante que viveram até agora num jogo de futebol, já que o mais anormal terá sido provavelmente no V. Guimarães – Boavista?
[PB] Eles são tantos que nós (risos) … podemos recordar alguns, desde o facto de os árbitros caírem dentro do terreno de jogo por exemplo, ou os assistentes; um árbitro auxiliar levantar a bandeirola e ela desaparecer-lhe da mão; até um assistente correr atrás de uma galinha (risos), talvez tenha sido um dos momentos mais hilariantes que me aconteceram e curiosamente num jogo da Super Liga, foi um assistente a correr atrás de uma galinha preta que um clube mandou lá para dentro, foi bastante curioso. Mas há várias e felizmente nós árbitros temos uma coisa boa que é a camaradagem, passamos momentos muito bons, penso que 90% são situações sempre boas que nós temos em termos de camaradagem, os outros 10% são situações infelizes que todos nós temos e que nos deixam um pouco tristes. Nós quando fazemos uma viagem para um jogo vivemos momentos muito bons e espectaculares de camaradagem, de amizade e de companheirismo, e por vezes passamos muitas histórias, muita coisa curiosa e hilariante que seria fastidioso estar aqui a desenvolver. Mas penso que a situação da galinha talvez tenha sido a mais engraçada e mais curiosa.

[LT] Eu tenho três que guardo na minha retina. Um deles foi uma agressão que sofri no Alverca – V. Guimarães, por parte da claque do V. Guimarães, não sei se será coincidência (risos), mas foi uma agressão que sofri e que me obrigou a levar 3 pontos na cabeça e a ser substituído pelo 4º árbitro, esse foi o primeiro momento. O segundo foi o da galinha, foi comigo, eu é que estava lá naquela zona, eu não sabia o que é que havia de fazer à galinha, tentei apanhá-la, correu mal, mas pronto (risos). Foi um momento hilariante, para mim, para todos os árbitros e se calhar para todos os espectadores também foi um momento muito hilariante. E depois, por último, o V. Guimarães – Boavista pelos acontecimentos que já falámos e por tudo o que vimos. São estes os 3 momentos que guardo. Depois temos, como o Paulo já disse, situações extraordinárias de camaradagem, porque isto é uma equipa, é uma família, nós deixamos uma em casa mas vamos com outra e quando se está com quem se gosta e com quem se é amigo… é isto que nos faz largar as nossas famílias, as nossas mulheres e os filhos (quem os tem). Talvez esteja aí o grande ponto: fica uma família em casa mas vamos com outra.