A candidatura de Marvão é um imperativo de consciência

Numa altura em que prepara a visita da Unesco a Marvão, no âmbito da candidatura desta vila a Património Mundial, Domingos Bucho, um dos responsáveis pelo projecto, salienta as vantagens que aquela nomeação trará para a região. O aumento do turismo e a preservação do património são algumas delas. A decisão final será conhecida no próximo ano.

[ESEP Jornal Digital] Como surgiu a ideia da candidatura de Marvão a Património Mundial?
[Domingos Bucho]Eu acho que a candidatura de Marvão a Património Mundial é um imperativo cultural, é quase um imperativo de consciência. Porque quem conheça aquela realidade pensa logo numa candidatura a Património Mundial. Há singulariedades muito interessantes que Marvão apresenta e que lhe dão essa grande potencialidade para receber esse galardão da UNESCO. Nomeadamente porque não se encontra, eu pelo menos não conheço, uma vila fortificada sem habitação extra-muros. Repare que fora dos muros da vila de Marvão não existe habitação. Marvão está como estava na Idade Média, com aquela cintura de muralhas protectoras, aquele abraço de muralha protectora e cá fora apenas tem um convento do século XV e depois o posto da Guarda Nacional Republicana. Portanto, isto dá-lhe um carácter singular, mas não só o sítio onde está construída. A vila de Marvão é também de grande singulariedade. É uma enorme rocha e lá em cima umas casinhas a espreitar cá para baixo com medo. É evidente que uma construção daquelas só aparece por motivos defensivos e daí que constitua, hoje em dia, um momento histórico para mostrar que tipo de habitat humano se realizava naquele período árabe e da reconquista. Em que se escolheu os pontos mais altos, com maior inacessibilidade para a própria defesa. Assim, atendendo ao grau de conservação extraordinário que tem aquela vila, quando entramos dentro da muralha pensamos que entramos na Idade Média, noutro mundo.

Também não se encontram palácios em Marvão, são casas todas muito humildes, porque ainda há pouco tempo, o parque de Marvão quando se referia nas memórias paroquiais à vila dizia-se que a maior parte das pessoas que viviam em Marvão ou eram guardiões, ou seja, militares ou eram presos. Porque quem é que ia viver para o cima de uma pedra com condições inóspitas de vida?

Portanto são todas estas singulariedades que motivaram a que um grupo de pessoas, de instituições quisessem levar pela frente, desde 1998, esta candidatura.

[EJD] Quem foram os responsáveis que deram vida a esta candidatura?
[DB] A candidatura fez-se com gente da casa. Pediu-se ao Instituto Politécnico de Portalegre (IPP) que fizesse a coordenação científica e por isso, é que eu apareço lá, fui desigando pelo presidente do IPP para fazer parte da coordenação técnico-científico da candidatura. Os meus colegas da comissão são pessoas de quase toda a região, com uma única excepção, é tudo gente da casa. Toda esta equipa de trabalho conseguiu responder do ponto de vista técnico e científico à elaboração da candidatura

[EJD] Quanto tempo demorou o relatório da argumentação?
[DB]
Desde 1998 até 2003. Aproximadamente 4/5 anos. Foi a mais rápida de todas até este momento. As outras candidaturas demoram mais tempo, à excepção das Ilhas Selvagens que apareceram de paraquedas, no ano passado. As restantes demoraram mais anos, uma vez tratar-se de um processo complicado, rigoroso, que demora muito mais tempo. Foi necessário elaborar muitos desenhos, muitos estudos, muita investigação, o que requer muito tempo. E esta foi rápida.

[EJD] Como é que a população aceitou a possibilidade da vila elevar a Património Mundial?
[DB]
Muito bem e com muito orgulho. Aliás, foi um ponto de honra para mim que nada se fizesse sem o acompanhamento da população. Para tal, foi criada uma comissão de acompanhamento da vila, formada por todas as pessoas que voluntariamente quisessem pertencer. Podiam ser todos os habitantes da vila, cerca de 185. Os interessados desde a altura em que foi criada a comissão, em 1999, até aos nossos dias nada foi feito sem o acompanhamento deles e discutindo com eles.

[EJD]Para a população é muito importante o galardão da Unesco?
[DB] Sim. Porque a sobrevivência de Marvão também passa por aí. Qual poderá ser o futuro de Marvão, se não algo ligado à Cultura e ao Turismo?

Não se vão montar em Marvão indústrias, agricultura no cimo de uma pedra. Portanto Marvão tem que ter funções administrativas. De forma alguma a sede do concelho pode sair de Marvão. Aconteceria a mesma coisa que em Monsaraz, a sede do concelho saiu e veio para Reguengos e depois tornou Monsaraz numa vila morta. Marvão apesar de ter poucos habitantes é uma vila com vida, porque tem uma população flutuante. E todos os dias, não são só os 185 habitantes, são cerca de 75% de população flutuante e mais os habitantes do lar de terceira idade, os da Misericórdia, que estão cá fora. O que confere à vila esta vivacidade.

A população está contente, nota-se que desde 1999 até os nossos dias a localidade que teve um acréscimo de turistas mais significativo no distrito de Portalegre foi Marvão, resultante da candidatura. O aumento do número de turistas provoca o aumento do número de camas, traz mais restaurantes, mais lojas de artesanato. Enfim, aumenta o número de serviços e de bens e isso faz com que a vida económica e social desenvolva também, ou pelo menos sobreviva.

[EJD] O que irá mudar em Marvão após a candidatura?
[DB]
O turismo aumentará não só para Marvão. Os turistas não aterram de avião e vão-se embora depois. Mais turistas para Marvão significa o aumento do turismo para Castelo de Vide, Portalegre, Alter do chão, Crato, ou seja, por todo o norte alentejano. E sendo o turismo uma alavanca do progresso, do desenvolvimento e, muito importante nesta região, a candidatura é um dos trapolins para que esta região possa desenvolver-se. Quando Marvão passar a ser inscrito na lista de Património Mundial esse turismo, sobretudo o cultural, ao contrário do de massas, porque não passa na vila de Marvão uma auto-estrada nem um aeroporto por perto, nunca seremos Óbidos. Eu diria até felizmente, porque Óbidos já tem turistas a mais. Nas comemorações da festa do chocolate chegou a uma altura que tiveram que pedir às pessoas para não entrarem. Óbidos hoje em dia é uma vila lindíssima, que eu gosto muito, mas que é um mercado ao ar livre, onde permanentemente no Verão, durante o período de férias, estão milhares de pessoas a circularem nas ruas e isso também degrada um pouco o património. Dando-lhe uma ambiência um pouco forçada, um pouco plastificada. Marvão tem uma autenticidade de que eu não gostava que desvirtuasse por esse fenómeno turístico.

[EJD]a sua opinião deveriam investir nas zonas circundantes de Marvão?
[DB]
Na minha opinião deveria-se investir mais no interior do país, fenómeno este que não está a acontecer. Mesmo em termos de conservação do Património gasta-se muito dinheiro no norte, no litoral e o dinheiro nunca chega ao interior. Esse é um dos pontos de maior fragilidade de todas as políticas culturais que têm passado por Portugal nos últimos anos. Vê-se pelo próprio fenómeno do Euro 2004, todos os estádios estão no norte do país ou no litoral. O único estádio a sul está no Algarve. Portanto, não é só a nível de grandes realizações que nunca se fazem perto da fronteira com o interior. É como se Portugal fosse Lisboa, aliás nós ligamos as rádios e sabemos o cumprimento da fila de automóveis na Ponte 25 de Abril, na ponte Vasco da Gama. Como se Portugal fosse Porto e Lisboa. Enquanto se considerar que Portugal é Lisboa ou Porto o interior nunca se há-de desenvolver. Não é só preciso desenvolver a zona circundante de Marvão. É para toda esta região que o país tem que se virar.

Geralmente os políticos gostam muito do Alentejo e até gostam de comprar montes no Alentejo, calçam umas botas alentejanas, vêm sujar as botas e respirar aquele ar e regressam às raízes. Mas o Alentejo tem pessoas que precisam de emprego, precisa de desenvolver as suas activiadades culturais, industriais e precisa de investimento público com peso ao nível do investimento no interior. Eu já tenho quase 50 anos e ainda não vi nada.

[EJD]Se pudesse fazer um apelo às pessoas, no sentido de visitar Marvão, o que é que diria?
[DB]
Gostava de fazer um apelo à UNESCO, é ela quem vai decidir a candidatura de Marvão (risos). Eles vão visitar Marvão neste Verão, vão fazer um relatório e depois a resposta saberemos em 2005. De toda esta região mais do que um apelo, um convite. Quando não tiverem nada por fazer ou quando quiserem ver, rever Marvão é sempre um bom destino. Marvão tem coisas interessantes, novas que vieram com a candidatura, tem um museu militar que é novo, tem uma câmara velha manuelina que se transformou num arquivo histórico com salas de exposição. Enfim, há sempre coisas para ver, com todas as condições atmosféricas, Marvão é bonito com sol, nevoeiro. É sempre bom ir a Marvão e é um convite permanente que eu faço.