ESEPTV - Peças
03/02/2016 - 14:40
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Ao terem todos conhecimento de que o pequeno Carlos queria ser pastor, as pessoas que tinham uma idade mais avançada deixavam-se rir com o facto, inclusive as mulheres diziam que ele era idiota, porque não iria ganhar muito dinheiro.
“Dedico este pequeno texto ao Carlos, pastor de profissão e meu grande companheiro”
Numa pequena aldeia chamada Prazeres havia um menino que era gozado, odiado e até maltratado por quase todas as pessoas da aldeia, desde o dia em que resolveu dizer no café da aldeia, o qual estava repleto de gente, que queria ser simplesmente pastor quando fosse maior de idade. A notícia propagou-se que nem um vírus por toda a aldeia, e a mesma era bastante pequena em população, tinha apenas uma centena de pessoas. Todos os meninos têm um nome, e o menino que sonhava ser pastor chamava-se Carlos. Ao terem todos conhecimento de que o pequeno Carlos queria ser pastor, as pessoas que tinham uma idade mais avançada deixavam-se rir com o facto, inclusive as mulheres diziam que ele era idiota, porque não iria ganhar muito dinheiro, enquanto que os miúdos da sua idade chamavam-lhe “pastor alemão”, como forma de fazer troça do facto.
Até os pais do Carlos o maltratavam pelo facto dele querer ser pastor. A mãe insultava-o de todas as formas e feitios, chamando-lhe estúpido, reles e “cabeça oca”, utilizando o tal argumento do dinheiro, que iria ganhar apenas migalhas com a profissão de pastor, enquanto que o seu pai, insensível e autoritário, tentava, por todas as formas, fazer com que o seu filho mudasse de ideias, chegando, inclusive, a agredi-lo fisicamente.
Porém, o Carlos jamais diria “não” aos pais pelo facto de querer ser pastor quando fosse maior de idade. Quanto mais criticavam o Carlos por ele querer ser pastor, mais o Carlos ganhava forças para sê-lo. Carlos era confiante e destemido por natureza e nenhuma barreira o impedia de realizar o seu sonho. Nesta altura, o Carlos tinha dez anos de idade e nunca tinha frequentado a escola; não sabia ler nem escrever, mas isso não o entristecia porque o pequeno Carlos era feliz sem a escola, sem a televisão, sem o computador, sem a aparelhagem de Hi-Fi, mesmo sem os brinquedos do “Super Man” ou do “Action Man”; enfim, Carlos era feliz sem o dinheiro. O seu único “brinquedo”, se é que se pode considerar um canino como um brinquedo, era o seu cão, o qual era o seu maior amigo. Devo referir que o Carlos não tinha amigo, porque nenhuma criança da aldeia gostava dele por ele querer ser pastor. Carlos abraçava o cão, fazia-lhe festas, brincava com ele até se cansar da brincadeira, e dava-lhe de comer todos os dias. O amor do Carlos para com o cão era mútuo; notava-se no comportamento de ambos.
À medida que o Carlos crescia, crescia também o sonho de ser pastor, e o que ele queria mesmo era guardar um enorme rebanho de ovelhas para as poder contar todos os dias. Mas o Carlos não sabia contar e ninguém o queria ensinar, inclusive os pais. Certo dia, Carlos soltou uma pequena lágrima desde o olho até à boca e desapareceu para bem longe mais o seu maior amigo até que, a dado instante, o menino que sonhava ser pastor encontrou o tal rebanho de ovelhas de que eu falei há pouco a pastar numa monumental planície. Aí, Carlos trepou imediatamente para o cimo duma árvore para apreciar a beleza do rebanho na sua plenitude. Tentou contá-las pelos dedos, mas em vão. As ovelhas eram tantas que Carlos não tinha dedos suficientes para as contar. Ao fim de umas horas, Carlos resolveu descer da árvore para ir até junto das ovelhas para as poder tocar, abraçar e fazer-lhe festas. Quando Carlos se estava a aproximar do imenso rebanho de ovelhas, o seu pequeno cão começou a ladrar intensamente às ovelhas, não porque quisesse, mas porque o seu instinto o permitia, como se estivesse com vontade de correr atrás de alguma para lhe fazer mal. O desassossego do cão provocou o caos no ordenado rebanho de ovelhas, e as ovelhas começaram a correr desenfreadamente para junto duma porteira. Já se avistava ao longe o dono do rebanho e o pai do Carlos com um pau e quando chegaram perto do pequeno Carlos, o mesmo assustou-se, vendo a face prepotente do pai, e, pela primeira vez na sua vida, sentiu medo, pensando que o seu pai lhe iria bater com o pau. Quando o seu pai se dirigiu para ele, o mesmo virou-se de costas e baixou as calças, dizendo, em tom de conformidade com o caso, o seguinte: “Bate-me à vontade, porque eu sei que mereço!”. O pai responde: “Vira-te, e pega no pau, ele pertence-te e, a partir deste momento, és o novo pastor deste senhor, porque ele assim o entende!”. Carlos levantou a cabeça e disse apenas estas duas palavras: “Obrigado, pai!”. O seu pai retorquir: “Eu estava errado acerca de ti. Eu respeito a tua opção de vida porque sei que é aquilo que tu gostas de fazer. Se tu és feliz assim, o dinheiro não te servirá de nada, não é?!”.
Carlos ainda vive; tem dois filhos e uma casa pequena. Não tem carro nem essas materialidades todas, mas pretende sempre transmitir aos seus filhos a mensagem deixada pelo seu pai.
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