ESEPTV - Peças
03/02/2016 - 14:40
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Os corredores do hospital são escuros, repletos de pessoas que parecem esquecidas pelas horas que passam à espera que o seu nome seja anunciado no microfone, para serem chamadas para a consulta. Sentem-se esquecidas pelas horas, que insistem em não passar, sentem-se cansadas pela espera que parece que nunca mais acaba.
A segunda-feira que nos levou a andar por aqueles corredores era quente, o sol brilhava e convidava a uma esplanada, a passeios pelo jardim do Tarro, a uma conversa num lugar fresco, onde a sombra de uma árvore nos refrescaria. No entanto, há quem abdique do seu tempo livre para levar um sorriso, um abraço e calor humano aos doentes e acompanhantes que estão à espera de ser chamados. São os cerca de 20 voluntários que fazem parte da Liga de Amigos do Hospital de Portalegre.
Eles esquecem o sol, a chuva e os problemas à porta do hospital e quando vestem a bata amarela e percorrem os corredores do hospital ficam dispostos a escutar os problemas dos outros, como se fossem os seus.
O encontro estava marcado para as 10 horas, num anexo ao lado do hospital. Percorremos depois um corredor que nos levou até a sala onde estão as instalações da Liga. Pequena, aconchegante, onde o amarelo predomina. Amarelo porque é a cor que distingue os voluntários dos auxiliares, enfermeiros e médicos. “É a cor do sol, da esperança, não é em todos os hospitais que existe o amarelo, há vários hospitais que a cor predominante é o branco e o azul”, diz Maria Susel, coordenadora da Liga.
A sala está rodeada de fotografias, mas há um quadro que se destaca, onde se pode ler “Ser voluntário é dar sem nada esperar receber em troca”, bordado e emoldurado em amarelo. Na sala, encontramos Maria da Conceição, Maria Antónia e Adelina, todas a rondar os 60 anos de idade. Estas três voluntárias estavam destacadas para fazer a manhã, porque no voluntariado, se alguém faltar, o trabalho fica condicionado. “Não é ser só voluntária, é preciso saber ser voluntária. Há regras, há horários a cumprir”, refere Maria Susel.
É por isso que todas as semanas, Adelina faz uma escala com o horário e a função de cada uma das voluntárias, para que nada falhe, para que o carrinho percorra os corredores, para que a ajuda nos pisos à hora da refeição não falte. É pedido às voluntárias, que se tiverem de faltar, que avisem com antecedência, de forma a se poder contatar alguém que as possa substituir. Ao lado do horário, há um outro documento, com o número de telemóvel e de casa de cada uma das voluntárias, para estarem em contato sempre que preciso.
O trabalho
“Tem de ficar sempre alguém na sala, porque também emprestamos canadianas, cadeiras de rodas a quem precisa e essas pessoas têm de se dirigir à sala para poderem fazer o pedido e precisam de encontrar alguém”, refere Luísa uma voluntaria que encontramos dias antes da nossa visita. Por isso, hoje é a vez de Adelina ficar na sala.
Seguimos depois caminho com Maria da Conceição e Maria Antónia, destacadas para andar com o carrinho pelo hospital. A nossa primeira paragem é na cozinha, onde se preparam termos com café, chá e leite. Prepara-se também um cesto com açúcar e adoçante, outro com bolachas Maria e de água e sal. Pega-se em alguns leites com chocolate a pensar nas crianças e o carrinho fica pronto.
O carrinho distingue-se pelo amarelo da toalha, que o reveste em cima e em baixo, e os cestos também são cobertos por panos amarelos. E fica tudo pronto para começar.
Os corredores do hospital são todos percorridos, desde a entrada das urgências até à sala de pediatria, passando pelas consultas externas, a sala de exames, a oftalmologia, e em todos os eles, Maria da Conceição e Maria Antónia levam a mesma pergunta: “alguém quer tomar alguma coisa?”
Alguns doentes chamam-nas, não por quererem comer alguma coisa, mas porque precisam de informações, de ajuda para se arranjar na cadeira, e as Marias lá vão, dizem as horas, perguntam se está tudo bem, a razão por que estão ali e os doentes vão falando, contando histórias e acabam por comer, e por momentos esquecem-se das horas de espera.
As crianças dirigem-se ao carrinho, pedem bolachas e leite, e Maria da Conceição pergunta às mães se elas podem comer, se não puderem, Maria da Conceição deixa as bolachas na mesma, para que quando o exame termine, a criança as possa comer. As crianças ficam com um sorriso no rosto, apesar da dificuldade que têm em perceber porque terão de esperar para comer.
À medida que percorrem o hospital, ouvem-se conversas do dia-a-dia entre os doentes e acompanhantes, conversas sobre o fim-de-semana, sobre o motivo de ali estarem.
Maria Antónia e Maria da Conceição dizem que se inscreveram para ajudar os que mais precisam: “recebemos mais do que damos, e também temos tempo disponível”.
O voluntariado no hospital não se limita apenas a dar de comer a quem necessite. “Ajudamos nas consultas externas, indicamos a um doente que venha à consulta e que por vezes não sabe preencher o seu papelinho e nós ajudamo-lo, levamo-lo ao gabinete. Agora, não temos tido voluntárias para fazer essa tarefa, mas já tivemos”, diz com alguma tristeza Maria Susel, concluindo que “em todos os voluntariados há altos e baixos”.
“É gratificante para a voluntária saber que estamos a ajudar. Os doentes adoram conversar e nós conversamos com eles, isto porque o profissional de saúde não tem tempo e é aí entra a parte do voluntariado”, refere Maria Susel.
Por volta das 11 horas, o carrinho regressa à cozinha, tudo é limpo e arrumado, para as 16 horas voltar a percorrer o mesmo caminho, com outras voluntárias. Os rostos são outros, mas os objetivos os mesmos.
“É de tal maneira gratificante que não conseguimos deixar. Ficamos presas aqui, parece que se não vier, me falta qualquer coisa”, diz Maria da Conceição, ao deixar a sala para dar lugar a Luísa, que se prepara para ajudar nos almoços.
A Liga
A Liga de Amigos do Hospital de Portalegre é uma associação sem fins lucrativos, fundada em 10 de novembro de 2003. Em janeiro de 2004 foi considerada Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS).
Em 11 de fevereiro de 2005, a Liga iniciou as suas funções, com 11 voluntárias, tendo sidos precisos dois anos para o projeto avançar. Maria Susel refere que “foi difícil arrancar, estive quase para desistir, mas com a minha força de vontade lá consegui. Valeu a pena, falei com a senhora da limpeza até à administração. Fi-los ver aquilo que existia, e então essa administração, e desde aí todas as administrações que por aqui passaram, sempre nos deram apoio. Isto a nós dá-nos coragem ainda de trabalhar e fazer mais”
A Liga vive de quotas pagas pelos sócios, e as próprias voluntárias pagam. No Natal há um peditório, nas festas da cidade a Liga tem a sua barraquinha e atualmente as voluntárias fazem um malmequer que oferecem às pessoas, para angariar dinheiro para comprar material que oferecem ao hospital, com o objetivo de atenuar o sofrimento e proporcionar maior conforto ao doente.
“Já oferecemos ao hospital um aparelho mediador de tensão, almofadas lombares e colchões anti escaras”, diz Maria Susel.
A relação entre voluntárias e equipa médica é de amizade, de trabalho em equipa: “nós não viemos substituir ninguém, nem auxiliares, nem médicos, nem enfermeiros, mas no entanto trabalhamos em conjunto, não fazemos nada sem pedir autorização a uma enfermeira dos pisos. Temos formação com enfermeiros”, refere Maria Susel.
Luísa, enfermeira do hospital, diz que “o trabalho do voluntariado é grandioso”.
Maria Susel é hoje uma mulher realizada, sabe que o voluntariado não vai acabar: “quando tive o acidente, sei que isto não parou, as voluntárias não deixaram. Não vai acabar, porque temos muitas voluntárias que já estão dentro das regras, do sistema, das normas. A Adelina foi a primeira, a segunda foi a Rosa, eu “puxei” logo a Adelina para junto de mim e comecei-a a ensinar. O que sabe, aprendeu comigo”.
É com Adelina e Luísa que agora subimos aos pisos do hospital, para ajudar nos almoços. Os corredores já mostram a luminosidade que vem das janelas dos quartos dos pacientes. Adelina entra em todos os quartos, parte o peixe, as batatas, abre a sopa e os talheres, fala com os doentes, pergunta como estão, se precisam de ajuda e se for necessário, senta-se junto do doente para lhe dar de comer.
Já são conhecidas no hospital, “e hoje são as próprias enfermeiras que nos chamam para ir aos pisos ajudar. Não vamos ao sétimo piso, infelizmente, porque não temos voluntárias suficientes para fazer isso. É lamentável. Eu tenho pena. Pode ser que venham mais”, conta Maria Susel.
Os doentes agradecem a ajuda, alguns esboçam apenas um sorriso, Adelina diz: “fico muita comovida. É que eles têm tanta dificuldade em falar, tanta, mas conseguem dizer muito obrigado. Não se esquecem de dizer obrigado”.
Luísa e Adelina voltam para a pequena sala por volta das 13 horas, e é a vez de as voluntárias almoçarem. Às 20 horas, outras voluntárias vão lá estar para dar o jantar aos pacientes. Outros rostos, para os mesmos doentes, pelo menos é esse o desejo delas, porque muitas das vezes o doente já não lá está, não porque tenha tido alta, mas porque uma bata verde pendurada à porta do quarto indica que ele morreu, que elas não podem entrar.
A dona Josefa já não irá estar na cama 21, porque teve alta, e já está vestida sem o pijama, com as malas feitas em cima da cama e despede-se da Adelina, e ainda tem tempo para reclamar do almoço. “Não consigo comer insonso”, declara. Adelina insiste, mas ela prefere não comer.
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