ESEPTV - Peças
03/02/2016 - 14:40
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Há mudanças de fundo a fazer na hierarquia da Igreja para assegurar a validade do seu papel na sociedade, defende Marcelino Dias Marques, pároco no concelho de Portalegre e responsável pelo Serviço Pastoral do Ensino Superior. O padre afirma que essas são alterações que passam pela actualização da linguagem utilizada, pela melhoria da comunicação e pela renovação e revitalização do clero, tudo em busca de respostas mais exigentes para um novo século.
Que razões justificam a existência de um Serviço Pastoral do Ensino Superior (SPES) em Portalegre?
Marcelino Dias Marques (MDM) – A presença da Igreja é sempre necessária. Mais do que impor alguma coisa, o que importa é propor e sobretudo acompanhar as pessoas nas diversas fases das suas vidas. O ensino superior tem uma larga expressão nesta cidade e a Igreja pode desempenhar um excelente papel, uma excelente presença junto destes jovens que vão criando expectativas em relação ao amanhã. Independentemente da fase da vida em que estejamos, a componente espiritual é essencial. No meio deste mar de dúvidas e intempéries, ela ajuda o jovem a assentar, a ser realista e optimista.
Que balanço se pode fazer da adesão dos estudantes do Instituto Politécnico de Portalegre (IPP) às actividades propostas pelo SPES? MDM. – Este trabalho da Igreja no ensino superior nunca se pode contabilizar. O que importa é propor, com qualidade, com sentido de responsabilidade e seriedade. Há ecos muito favoráveis. Por exemplo, todo este trabalho que é feito ao longo do ano e que termina com a celebração da bênção das pastas dos finalistas, pela forma como tem funcionado, pelas respostas dos estudantes, é um reflexo de como a presença da Igreja no ensino superior desta cidade não está a mais. Depois há outros ecos. Todos os anos tem havido jovens que se preparam para o baptismo, que aproveitam o ano académico para fazer uma caminhada ao nível da fé e que são confirmados, ao fim do ano, através do sacramento do crisma.
São formas de ligação dos jovens à Igreja, ainda assim, com muita expressão? MDM – São na ordem de algumas dezenas de jovens. Desde há quatro anos, quando o SPES começou a funcionar, já se baptizaram 14 jovens. Mas, mais do que contabilizarmos, o que importa é ajudar esta gente que muitas vezes chega aqui desintegrada, com dificuldades em encontrar espaços e grupos. São formas novas de entrar na vida dos jovens. O mais importante é a Igreja ser uma presença criadora, empreendedora, imaginativa, que ajude e auxilie, para que estes jovens não percam a sua identidade cristã, às vezes recheada de experiências fabulosas nas suas comunidades e que se vêem perdidos num meio sem oferta a nível espiritual. Importa que eles façam o seu percurso, vivam o seu presente e possam viver a sua adultez com responsabilidade.
Esse momento que referiu, o da bênção das pastas, sentiu-o, de facto, como uma manifestação de fé por parte dos finalistas ou acabou por ser, para a maioria deles, apenas mais um momento no ritual da queima das fitas, sem qualquer sentido espiritual? MDM – Claro que é difícil responder a essa pergunta. A celebração da bênção é o resultado de todo um percurso. E a prova é que tivemos vários encontros, nas escolas, na Sé. Houve também o período de preparação espiritual, com confissões, com oração. E esta gente foi aderindo. Não é mais um número dentro de toda a semana académica. Outro sinal é o de que só de há quatro anos a esta parte é que existe uma única missa de bênção – antes, cada escola fazia a sua. São manifestações muito gratas, que são vividas por cada um de acordo com a sua sensibilidade. Mas creio que foi uma autêntica manifestação de fé.
Prática dominical em quebra
Sendo de jovens que se fala, a verdade é que foi exactamente nas classes etárias entre os 7 e os 24 anos que a prática dominical, a ida ao domingo à igreja, mais decaiu, segundo os dados do recenseamento de 2001. O que é que falha na acção da Igreja Católica junto destas faixas da população?
MDM – Números são números. A análise dos censos da prática dominical pode ser feita e vista de muitas formas. A nível do País houve um decréscimo a norte e um aumento a sul, nomeadamente no Alentejo, isto porque, como a prática no sul é baixa, há sempre a tendência para subir. Contabilizarmos a qualidade dos cristãos só pela ida à missa dos domingos são uma visão e uma leitura relativas. Nas paróquias que me estão confiadas, de 1991 a 2001, houve um aumento de 24 por cento das presenças na missa. Há muitos mais itens para podermos contabilizar se a presença da Igreja é ou não significativa. A Igreja falha muito é no aspecto da comunicação, na forma como transmite a mensagem. Há como que uma disfunção entre o que propõe e as ofertas pastorais. Quando a Igreja propõe, de forma criativa, servir desinteressadamente e envolver-se na tentativa de encontrar respostas para os problemas sociais, as pessoas vão aderindo. A fé não pode ser só teoria, tem de ser vivida e manifestada através de obras e da presença das pessoas e dos sacerdotes. O mundo evoluiu bastante, a sociedade vai mudando e a forma como a Igreja se faz entender é que, por vezes, não é a mais correcta. Eu preferia uma Igreja não tanto clerical, mas que envolvesse mais os jovens e os leigos. Em Portugal e nos países mais desenvolvidos o clero está bastante envelhecido, há cada vez maior distância, na idade e na linguagem, entre os sacerdotes e os mais jovens.
Não é, ainda assim, preocupante para a Igreja o facto de a juventude não mostrar grande interesse pelos “caminhos da fé”? A Igreja Católica não corre o risco de perder, com esta situação, uma ou duas gerações de fiéis?
MDM – Há duas semanas, o Papa João Paulo II conseguiu congregar à sua volta, em Madrid, cerca de 700 mil jovens. Esta diocese juntou, no sábado antes da Páscoa, 700 jovens. Dois dias depois congregou, noutro ponto, 400 acólitos, adolescentes e jovens. Apesar de tudo, a Igreja ainda é uma força mobilizadora. Mas como é que pode continuar a ser significativa nas escolas, junto dos jovens, nos meios empresariais e operários? Tem de ser com uma presença muito humana, acolhedora, que abra portas e que debata os problemas. Os de hoje e não os de ontem ou os de amanhã, com muita humildade e espírito de serviço. Uma Igreja que não serve, não tem utilidade. O papel principal da Igreja não pode ser o de impor, tem de ser o de propor.
Em termos práticos, que formatos alternativos podem ser propostos para, como diz D. Augusto César, bispo de Portalegre e Castelo Branco, evitar “a repetição pura e simples dos modelos do passado”?
MDM – A Igreja não necessita de perder a sua identidade, mas tem de formar os seus agentes – catequistas, sacerdotes – de maneira constante e actualizada, privilegiando o aspecto comunitário da fé, mesmo da vivência dos sacerdotes entre si. A hierarquia da Igreja não pode só propor, necessita de ouvir as bases, de descer ao concreto, ao povo, para que se vá renovando sob o impulso do Espírito Santo. Se o comum dos fiéis for escutado, também se sente mais alentado e achado para tomar decisões importantes no seio da própria Igreja. É necessário haver espaço de diálogo, de conhecimento mútuo, para que a confiança seja maior. A hierarquia da Igreja falha um pouco nisso. Mas também há coisas boas de que não se fala e que se fazem, ao nível do lazer, da cultura, dos jovens. Existe muito espírito de voluntariado e, por aí, consegue fazer-se milagres. Sobretudo, é preciso que a Igreja nunca perca a sua identidade, que é servir o Homem no contexto actual, servir a pessoa como ela é, com os seus problemas e as suas alegrias, e não como se gostaria que ela fosse.
Porque é que há cada vez menos pessoas a querer assumir o ofício de padre? É assim tão difícil ser sacerdote em Portugal?
MDM – Não é difícil se essas opções forem vividas com motivação. O problema é se a pessoa perde a sua identidade e a sua sensibilidade. Se se toma e se alimenta uma opção, com afecto, diálogo e fé, essa opção pode tornar-se a coisa mais bela na vida de um jovem.
Há uma questão de egoísmo a dificultar essa assunção de funções sacerdotais?
MDM – Há muitos factores. É sobretudo nos países mais avançados que vemos esta diminuição das vocações. Na África, em países da América e no oriente, há, pelo contrário, um aumento significativo. Hoje há um deslocamento do coração das pessoas para as coisas. “Coisificamos” muito a vida, valoriza-se o que é imediato, o que dá prazer. O aspecto do amor, da entrega, do sacrifício, embora exista, parece depois que já não é tão importante. Houve uma deslocação de valores. A Igreja tem de ser inovadora e inteligente, no sentido de permitir aos jovens candidatos, que se interrogam ou questionam, que esta opção de vida continua a ser fantástica. Há algum tempo, uma criança dizia-me que, quando fosse homem, “não gostava de ser padre”. Perguntei-lhe porquê. “Porque o seu trabalho é muito”. Esta é uma razão que inquieta os jovens pela negativa. A forma como passamos a mensagem, a nossa presença educativa e construtiva é que pode não ser, por vezes, a mais exacta. Estamos muitas vezes a jogar com propostas e linguagens que já não são do século XXI.
O casamento de sacerdotes deve ser uma questão de escolha e não uma matéria de princípio
Apesar das mudanças que propõe, acha que o celibato é, de facto, uma das questões incontornáveis e de referência da Igreja que devem ser mantidas?
E a mulher? Quando é que poderá também aceder ao sacerdócio?
É preciso haver um novo Papa para que a Igreja alcance as mudanças desejadas?
A mesma motivação que tinha no dia da sua ordenação – continua a senti-la hoje em dia? |
Perfil Oriundo de uma família “profundamente cristã”, Marcelino Dias Marques, 38 anos, natural de Vila de Rei, gosta de se referir à sua 4ª classe como um momento marcante – foi a altura em que a professora lhe propôs a ida para o seminário. É aí que estuda durante os sete anos que se seguem, antes de ingressar na Universidade Católica, onde cursa Filosofia e Teologia. A meio do mestrado, em Madrid, surge a ordenação sacerdotal. Em 1991 passa por Nisa e assume a pastoral juvenil e vocacional. Mantém-se em paróquias nos arredores de Portalegre até que parte para a Alemanha em missão. A experiência durará dois anos. É no regresso a Portugal que o bispo de Portalegre e Castelo Branco lhe propõe a condução do Serviço Pastoral do Ensino Superior, cargo que ocupa há quatro anos. |
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